
No momento em que se celebra mais um aniversário do 25 de Abril de 1974, e perante as profundas transformações que na última década vêm fustigando o campo do trabalho no nosso país (e no mundo), fará sentido interrogarmo-nos onde pára o espírito da Revolução dos Cravos?
A mentalidade servil e conformista que se vem espalhando em diferentes áreas do emprego não será a negação sociológica das promessas de Abril?
Vão longe os tempos das velhas ilusões colectivistas e dos ideais socialistas da época – a solidariedade, a igualdade, a justiça social...
O actual cenário social e laboral é marcado pela crise, pelo individualismo, pela indiferença, e até pelo oportunismo, sentimentos estes que se traduzem em vulnerabilidade, insegurança e uma dependência cada vez maior.
Em vez de formas de gestão modernas e democráticas, da responsabilidade social das empresas, do diálogo social, da autonomia individual, do respeito pela cidadania – salvo as poucas e honrosas excepções – prevalece o autoritarismo, o sentido do "saque", e um absoluto seguidismo imposto pela hierarquia. Chegou-se ao ponto dos próprios subordinados, trabalhadores e funcionários abdicarem dos seus direitos, na expectativa de com isso preservarem o emprego ou consolidarem a sua posição.
O elo mais fraco, está por conseguinte, cada vez mais fraco e a chamada "crise" faz o resto!... A "luta" que resta é hoje meramente individual e pela segurança, ou seja, regressámos às necessidades primárias da democracia!...
O ponto nevrálgico está, pois, nas lideranças e no espectro do desemprego. E as empresas, a administração pública e as universidades, são sempre - quer se queira ou não - o espelho da sociedade, quer seja pelos bons ou pelos maus exemplos.
Estamos pois, perante uma lógica em cadeia, imposta de cima para baixo!... Uma lógica, que penetra nos níveis intermédios e atinge os inferiores, isto é: estamos perante um autêntico processo "bola de neve", em que os administradores, as chefias, os directores, os coordenadores, no fundo, aqueles que centralizam o poder nos diferentes sectores, sobem e ganham protagonismo, em função das conveniências dos seus "donos", seguindo até ao fim, a vontade e a estratégia dos que os promoveram ou os propuseram.
É sobretudo por tudo isto, que hoje assistimos a determinadas nomeações que nos deixam incrédulos, que determinada gente é chamada para encabeçar listas, para assumir cargos públicos ou privados, para ocupar e controlar posições-chave dentro das instituições, e tantas outras poucas-vergonhas.
A “lealdade” e a “confiança”, em vez de traduzirem dedicação à instituição e à sociedade, vão-se tornando cada vez mais em meros paliativos para esconder obediências e interesses pessoais.
Mais de três décadas após o 25 de Abril e ao contrário do que seria lógico, o que é premiado é antes de tudo o espírito obediente, submisso e acrítico! Ao contrário da lógica, de um espírito livre, autónomo e leal, a falta de verticalidade tráz hoje muito mais vantagens. E obviamente que quem ascende pela obediência jamais pode aceitar que abaixo de si subsista a mais leve irreverência.
Resulta daí que, aqueles que mostrem a mais pequena veleidade em questionar as opções da cadeia hierárquica, embora competentes, entram de imediato nas listas de candidatos à “prateleira” ou à eterna estagnação na posição subalterna ou burocrática que ocupam, quando não são simplesmente despedidos no final do seu contrato. Deste modo, a obediência cega vem-se tornando um padrão!... Um requisito, já não para progredir, mas tão somente para agarrar o emprego a todo o custo. Não!... Assim não vamos lá...
Mas quem são, afinal os donos das vozes do dono? São os detentores do poder. Porém, este é um poder social que não possui um único centro. Ele dissemina-se no mundo empresarial, na administração pública, no parlamento, nas universidades. Assume formas distintas e cobre diversos âmbitos.
Perante isto, aos cidadãos e trabalhadores – dos que já esqueceram as promessas de Abril aos mais jovens que as ignoram –, cabe perguntar se o discurso tecnocrático, hoje novamente dominante, sobre a aposta nas pessoas, nas qualificações, nas oportunidades e no mérito, não será uma enorme falácia?!... Para além disso, a pergunta inquietante que resta fazer é se não será, afinal, o próprio vértice superior do actual poder político o exemplo supremo que estimula de facto esta cultura da “voz do dono”? O que é feito do espírito do 25 de Abril?