Uma das principais conquistas
do pós 25 de Abril de 1974, foi a implementação da democracia no seio das
comunidades através das Freguesias e dos Concelhos - agora Municípios. A
proximidade entre eleitores e eleitos, entre Poder e cidadãos, passou a ter a
partir das primeiras eleições autárquicas de 12 de Dezembro de 1976, uma nova
configuração e realidade democráticas.
Hoje, passados que são 41 anos
e à beirinha de mais um acto eleitoral que terá lugar já no próximo dia 1 de
Outubro de 2017, chegou o tempo de se repensar e reflectir sobre o Poder Local
como pilar de um Estado de Direito Democrático que mais fez pela consolidação e
reforço da democracia, e dentro da estrutura político-administrativa nacional,
aquele que mais é escrutinado, seja pela referenciada proximidade com o cidadão
e entidades, seja pelas próprias estruturas fiscalizadores do Poder Político,
Administrativo e Judicial do país.
Curiosamente, depois do papel
que as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia tiveram no desenvolvimento do
pais e das comunidades - faltava o saneamento básico, a rede de distribuição de
água, as infra-estruturas rodoviárias municipais, a electricidade, o
desenvolvimento empresarial e económico, os transportes públicos e até o apoio
social e a escola - volvidos os tais ditos 41 anos, o Poder Local encontra-se
hoje como a realidade político-administrativa do país mais mal tratada, mais
desvalorizada, mais desajustada da sociedade, mais criticada e mais
menosprezada. Isto, apesar de continuar a ser a mais escrutinada, a mais
fiscalizada, a mais próxima dos cidadãos e das comunidades, e aquela a quem
mais recorrem as pessoas nas “aflições e desesperos” do seu dia-a-dia.
Infelizmente, e como se tudo
isto não bastasse, acresce ainda o alheamento dos cidadãos na participação
activa da vida política das suas comunidades. À data de 1976, os cerca de 35%
de abstenções registadas nas primeiras eleições autárquicas, podem ter sido
justificados pelo facto de naquele ano terem ocorrido três processos eleitorais
e se ter registado um vazio e desconhecimento face à realidade política
autárquica.
Hoje porém, tendo em conta os
valores das últimas eleições autárquicas realizadas em 2013 - cerca de 48% dos
cidadãos que não votaram, e aqueles que em 1 de Outubro próximo seguirão o
mesmo exemplo, levam-nos à necessidade urgente de repensar o panorama do Poder
Local, relembrando sempre o papel dos pioneiros na implementação e no
desenvolvimento da democracia nas comunidades.
Se é verdade que alguns
políticos e a prática política em geral, têm contribuído para o afastamento dos
cidadãos do momento privilegiado e único da decisão democrática que reside no
direito ao voto, não menos verdade é, a responsabilidade que o Poder Central
tem tido na desvalorização, na depreciação do Poder Local, das Autarquias, das
Freguesias e de todos quantos aí vão resistindo. Se nada mudar, tudo se
desmoronará com o fim das gerações de 30, 40 e 50.
Houve-se agora o
Primeiro-Ministro António Costa, falar em descentralização e responsabilização!...
Apesar de ser indiscutível, lembrando a própria história autárquica, o papel do
Poder Local no desenvolvimento das comunidades e do país e a sua significativa
importância na gestão das infra-estruturas e serviços, a afirmação assusta e
preocupa. E assusta e preocupa pelo seguinte: como poderão os autarcas dos
Municipios do interior fazer face ao drama da desertificação, quando o próprio
Governo e à semelhança de todos quantos o antecederam, mais uma vez os esquece,
e pelo contrário avança com investimentos de milhões a suportar pelo Orçamento
de 2018, para financiar projectos em áreas como a aeronáutica, a energia, a
industria dos moldes ou a industria automóvel, em distritos como Aveiro, Braga,
Coimbra, Lisboa e Porto?!... Será que o bom momento que a economia portuguesa
está a atravessar, não seria motivo suficiente para investir igualmente na
revitalização do interior?!....
Por muito que os autarcas
façam para agradar aos seus municipes e às suas estruturas, a grande verdade, é
que o Poder Local continua a ter um grave problema de estruturação, de
definição administrativa, de poder, de responsabilidades e de definição legal
nomeadamente no âmbito das atribuições financeiras que já vem de longe. Ora
como já ficou dito no artigo anterior, das duas uma: ou o Poder Central se
assume ou delega!... Sem ovos não se fazem omeletes, mas já que se fala em
descentralização pergunta-se: para quando a revisão Lei Eleitoral Autárquica
dando maior responsabilidades aos seus órgãos?!... Para quando a revisão da
obsoleta Lei das Finanças Locais?!...
Pois é!... Não basta falar em
descentralização. Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2017 perdeu-se
uma excelente oportunidade para revitalizar o sistema, mas pior do que isso, é
que pelos vistos o Orçamento para 2018 também não tráz nada de novo. Para
quando por exemplo, a atribuição directa de verbas dos Orçamentos para as
Autarquias?!... Para quando a redefinição das competências e responsabilidades
- independência administrativa e política - dos Municípios e Freguesias?!...
Descentralizar por descentralizar,
incutindo responsabilidades acrescidas no Poder Local onde o Poder Central
falha, não resolve o problema, antes pelo contrário. Sem qualquer
reestruturação de competências e de governação/gestão dos órgãos autárquicos, a
descentralização que se adivinha servirá apenas para tornar mais complexa a
realidade autárquica e o papel dos autarcas no desenvolvimento das suas
comunidades.
Em resumo!... Das duas uma: ou
o Poder Central pega o “boi pelos cornos” e assume por ele a responsabilidade
de acudir à interioridade, ou delega competências através de um pacote
legislativo a quem o possa fazer. Portugal foi sempre ao longo da sua história
um país essencialmente centralista. Durante a I e II Repúblicas, a própria
expansão ultramarina contribuíu ainda mais para esse centralismo - os
preparativos, a burocracia de apoio e as partidas e as chegadas, centraram-se
sempre na “capital do Império”. Todo o poder administrativo foi aí desenvolvido
e durou até ao final do periodo designado por Estado Novo. Hoje, ainda que
tarde e a más horas, chegou o tempo de mudar!... O actual modelo de organização
territorial, apenas ditou ao longo dos anos o desenvolvimento de assimetrias
entre o Norte e o Sul, entre o Interior e o Litoral, de que são exemplos a fuga
das populações para o litoral, a emigração, e fruto disso a desvalorização do
próprio património.
O que eram, o que faziam e
como viviam os nossos conterrâneos em tempos passados, foi já aqui dissecado no
inicio deste trabalho e é por todos conhecido. Com a III República saída do 25
de Abril de 1974 nada mudou!... Ninguém quis ou foi capáz até hoje, de resolver
ou até minorar este problema, antes pelo contrário. A tendência centralista
acentuou-se e criou e continua a criar um país cada vez mais desiquilibrado,
que levou já várias aldeias à “morte prematura”.
No sentido de contrariar esta
tendência, chegou pois o momento de todos nós, cidadãos em geral, e autarcas em
particular, trazerem à discussão pública o tema de uma DESCENTRALIZAÇÃO que
sirva efectivamente as regiões do interior. Será a única via que poderá minorar
este estado de coisas. Em época de eleições autárquicas, é preciso incluir este
tema na agenda politica, sob pena de vermos o interior ser sufocado pelo tempo.
As aldeias estão a “morrer” e
os nossos concidadãos que tão desamparados têm sido, assim o exigem. Aos
autarcas, cabe interpretar a vóz dos cidadãos e aos “profissionais da politica”
decidir o destino do país. Portugal, não é apenas LISBOA e PORTO!... Para além
destas àreas metropolitanas, que são obviamente importantes, há também um país
a precisar de ser visto com outros olhos...
Nos dias que correm, por toda
a Europa existem regiões administrativas ou instituições regionais equiparadas.
Se quisermos “apanhar o comboio”, Portugal não poderá fugir a essa regra,
porque se nada mudar e como já foi referido, tudo se desmoronará com o fim das
gerações de 30, 40 e 50.