A Revolução de Outubro
mudou não só a Rússia como todo o mundo!... Olhar para o passado e pensá-lo, é
um exercício que se impõe de forma a tentar-se compreender um dos principais
acontecimentos do século XX. Posto isto e 100 anos depois, qual o legado da
revolução liderada por Lenine e Trotsky ?!... Vamos então aos factos: insatisfeitos
com o regime czarista, sucediam-se as manifestações e greves gerais contra o
poder de Nicolau II. Centenas de pessoas morreram na sequência dos tumultos da
Revolução de Fevereiro e o Governo Provisório de Alexander Kerensky segurou as
rédeas do poder até à Revolução de Outubro, quando a força dos
bolcheviques se impôs.
Estávamos então em 1917!... O Czar
Nicolau II já tinha sido derrubado em Fevereiro do mesmo ano. Um frágil Governo
Provisório encontrava-se no poder numa Rússia completamente desgastada pela
participação na Primeira Guerra Mundial. A 7 de novembro - 25 de outubro no
calendário juliano - precisamente há 100 anos, os bolcheviques liderados por
Lenine e Trotsky, tomaram o Palácio de Inverno e os principais centros de
poder. Estava consumada a Revolução de Outubro, que tinha começado a ser gizada
já há alguns meses.
Passados 100 anos, o
debate sobre os impactos da Revolução de Outubro sobre a sua essência e sobre o
seu legado permanecem, e os consensos sobre a política soviética nos seus
cerca de 70 anos de existência está longe de ser pacifica.
Consensuais, parecem ser no
entanto as análises de algumas das causas que estão na origem da Revolução de
Outubro de 1917, como o culminar de uma situação de grave crise política e
social que se vinha desenvolvendo na Rússia desde o final do século XIX e que
foi particularmente agravada com a desastrosa participação do exército russo na
Primeira Guerra Mundial e com Lenine, Trotsky e companhia utilizaram a
vagarosidade com que eram feitas as transformações para tomarem o poder através
de um golpe de Estado. E decisivo, foi também o facto dos bolcheviques
serem os únicos a oporem-se à participação da Rússia na Primeira Guerra
Mundial. Por isso, souberam explorar a vontade popular e foram conquistando
apoios para consumar a revolução inspirada pelos ideais marxistas. Além disso,
como grande parte da população russa era composta por camponeses, as políticas
da terra de Lenine e Trotsky tornaram-se muito populares. Uma conjuntura muito
especial que teve a ver com a falência do Império Russo na frente de combate, e
a agitação de objectivos que eram caros a um sector da população. Assim,
escolheram o momento oportuno para avançar e foi isso que lhe garantiu o
sucesso.
OS ANOS TERRIVEIS QUE SE
SEGUIRAM Á REVOLUÇÃO
O ano de 1917 chegara ao fim e
a transformação russa acabara de dar um salto gigante. Os ideais leninistas
inspirados pelo marxismo, prometiam transformar o mundo. No ano seguinte,
chegaria ao fim a Primeira Guerra Mundial com a Europa a ficar devastada e a
Rússia, além dos milhões de mortos e da destruição de parte do seu território, a
ter ainda de enfrentar um inverno rigoroso, o que dificultou a sua recuperação.
Neste cenário de grande
instabilidade e incerteza, os bolcheviques continuavam a sua revolução.
Contavam sobretudo, com apoios nos centros urbanos e industriais. O resto do
país preocupava-se essencialmente com a sobrevivência, muitos certamente à
margem do que se passava nas grandes cidades.
Por essa altura, continuou e
intensificou-se a expropriação das empresas industriais que passaram a ser
dirigidas por comités de trabalhadores. Foi implementada a política de
oito horas de trabalho, os bancos foram nacionalizados, a soberania dos
povos e o seu direito à auto-determinação foram decretados. As enormes
transformações começavam agora a sentir-se.
Foi então que começou a
violenta guerra civil no país, que durou entre 1918 e 1921 e que deram origem aos “anos
terríveis”que se seguiram à revolução. Forças conservadoras e leais ao czar,
com o apoio dos países ocidentais, iniciaram a sua tentativa de derrubar os
bolcheviques, particularmente os envolvidos na guerra, que não aceitaram a
alteração de poder na Rússia. Promoveram então uma invasão ao território
que contou com forças internas ligadas ao czar e desencadeou-se uma guerra
civil num país que já estava exausto pela guerra.
Ciente de que era a sua
sobrevivência que estava em jogo e uma “questão de morrer ou matar”,
Lenine começou a impor a sua força. Sucederam-se as perseguições aos opositores
e foi instituído o sistema de Partido Único. Os bolcheviques só
tinham uma solução para manter o poder: ser implacáveis e impor a sua
autoridade à força. E sendo assim, vão ter então de o fazer, porque era uma
questão de vida ou de morte. Se não o fizessem, eram completamente liquidados.
Nesse sentido, proibir os restantes partidos para lá do comunista
assentava na política estipulada pelo conceito de ditadura do proletariado, ou
seja, “ditadura sobre a burguesia e democracia para as massas e para o
povo" e como os bolcheviques se apresentavam como os únicos representantes
do povo, não havia razão para haver outro Partido a representar estes sectores.
Mas nem só de repressão se
fizeram os três anos da guerra civil entre vermelhos (bolcheviques) e brancos
(leais ao czar). As experiências revolucionárias de grande profundidade
que alteraram desde a estrutura económica às formas de organização do trabalho,
nomeadamente no que diz respeito à actividade artística e cultural, à situação
das mulheres, à organização do trabalho da terra, à educação e à política
urbanística, faziam igualmente parte dos ideais dos bolcheviques.
A MORTE DE LENINE E ASCENSÃO
DE ESTALINE
Depois de três anos de uma
violenta guerra civil, Lenine morreu em 1924. Estaline, que já era Secretário-Geral
do Partido Comunista mas que desempenhou um papel secundário na revolução,
sucedeu-lhe na liderança e a União Soviética começou uma nova fase.
As transformações, assumem um
carácter irreversível a partir de 1928, sendo confirmadas em meados da década
seguinte. É precisamente nesta altura que se inicia um intenso programa de industrialização
e de colectivação no país, ao mesmo tempo que muitos revolucionários
bolcheviques, nomeadamente Trotsky, que foi acusado de traição, começam a ser
perseguidos e afastados, verificando-se desta forma enormes alterações às
propostas iniciais do Governo Revolucionário.
Entre as medidas tomadas na altura, destaca-se
o fim da ideia de uma “revolução internacionalista”, a “colectivização
forçada da agricultura com a destruição total da grande propriedade e dos
pequenos camponeses” e a “instalação de uma forte repressão política em larga
medida exercida contra membros do próprio Partido”.
Contudo, as transformações efectuadas
por Estaline foram sobretudo a continuação do que já fora começado na
Revolução de Outubro por Lenine. É errado pensar que o estalinismo nasceu
com Estaline. Não!... O estalinismo nasceu antes, é uma continuação do
leninismo, como o trotskismo seria a continuação do leninismo, que foi a
imposição de um regime social-totalitário através da força. Assim, ao
mesmo tempo que a União Soviética se recompunha da guerra civil e continuava o
seu processo revolucionário, o fascismo ia emergindo na Europa, nomeadamente em
Itália e na Alemanha, a grande derrotada da Primeira Guerra Mundial. É neste
cenário de humilhação que começa a ascensão de Adolf Hitler, que nos seus
escritos iniciais manifesta não só a vontade de eliminar os judeus, como também
de destruir a Rússia. Estaline teve então de reagir. No Mein Kampft está
evidente que a Rússia ia ser invadida. Por isso, Estaline percebeu que não
tinha grandes alternativas. Ou industrializava o país a que custo fosse, ou
sucumbia. Contudo, as consequências deste “custo” que foi preciso tomar,
mudaram para sempre a União Soviética. A opção que a direcção soviética fez foi
por isso uma opção terrível e teve custos elevadíssimos.
Neste cenário, com o nazismo
cada vez mais forte, uma nova guerra era inevitável e acabou por acontecer, à
custa de milhões de mortos. Estaline saiu como um dos grandes vencedores
da guerra, mas pagou um preço brutal em termos de perdas militares e civis.
O LEGADO DA REVOLUÇÃO DE
OUTUBRO
No rescaldo da Segunda Guerra
Mundial, emergem então duas superpotências que vão “dividir” o mundo entre si:
Estados Unidos e União Soviética.
É neste mundo bi-partido, que
os países do chamado terceiro mundo, nomeadamente as colónias dos países
europeus - de Portugal inclusive - começam a ganhar força para combater o
imperialismo e o capitalismo. Esse é um dos principais legados da Revolução de
Outubro, isto é, o despertar da consciência dos países do Oriente e de
África, algo que ia ao encontro das ambições soviéticas, que pretendiam que
esses povos se libertassem das situações coloniais.
Enquanto isso e durante a
Guerra Fria, os EUA e a União Soviética não olhavam a meios para atingir os seus
fins, e por sua vez o bloco ocidental quis responder a esse despertar, apoiando
regimes muito pouco aconselháveis do ponto de vista dos direitos humanos ou da
democracia.
Outro dos legados da Revolução
prendeu-se com as transformações no interior dos próprios países europeus, mais
concretamente no que diz respeito às mudanças sociais por parte da
população trabalhadora da Europa. Não estão na origem directa, mas contribuíram
decisivamente para a sua afirmação e para a aceleração do processo de criação de
estados sociais, em que os trabalhadores passam a ter condições de trabalho e
de vida muito melhores.
Passados estes anos, o próprio
socialismo teve de fazer uma catarse histórica para perceber as consequências
da Revolução de Outubro. Por um lado, a revolução trouxe a confirmação, pela
experiência negativa vivida de que o modelo socialista não pode ser imposto de
cima para baixo, mas harmonizado com um desenvolvimento da sociedade na qual se
insere. Pelo outro, porque a revolução bolchevique veio a demonstrar,
que a transformação revolucionária, no sentido da construção de um mundo
mais justo e igualitário, não é um mero devaneio de caráter utópico, mas pode
resultar da intervenção da iniciativa humana, constituindo sempre um factor de
esperança.
A RÚSSIA DE HOJE NO CENTENÁRIO
DA REVOLUÇÃO
Com a queda do Muro de Berlim
e o desmoronar da União Soviética, a ideologia que saiu da Revolução de
Outubro, e que foi sendo transformada pelas lideranças soviéticas ao longo de
cerca de 70 anos, sofreu um tremendo golpe, do qual nunca chegou a recuperar.
Hoje, na Rússia pouco mais resta do que as estátuas de Lenine e a nostalgia de
certos momentos da História. Outros foram esquecidos ou simplesmente não são
recordados.
No entanto, desde que o actual
presidente russo Vladimir Putin, começou a concentrar o poder na sua figura,
bem como a demonstrar uma intenção de reforçar o poder perdido da Rússia em
certas partes do globo, muitos analistas traçam algumas semelhanças entre a
Rússia de hoje e a União Soviética de ontem. O regime autocrático de Vladimir
Putin em que a oposição se vê limitada nas suas actividades e onde a liberdade
de expressão é também limitada, denunciam isso mesmo e a guerra na Síria, onde
Moscovo apoia o regime de Bashar al-Assad, ou no Leste da Ucrânia, que resultou
na anexação da Crimeia são os melhores exemplos. Hoje porém, alimentar desejos
expansionistas ou militaristas sem uma base económica sólida que o suporte, está
longe de ser conseguida . A Rússia tem demasiados problemas internos para
rivalizar com os Estados Unidos e até com o Ocidente. Na tentativa de
relativizar essa rivalidade e em vez de modernizar o seu país e de
aumentar a prosperidade da população, Vladimir Putin prefere gastar parte do
orçamento em aventuras militares como é o caso da Síria o que torna ainda mais
perceptível essa incapacidade.

O futuro da Rússia é hoje
portanto incerto!... Passados 100 anos da Revolução de Outubro, pouco
parece restar no regime que hoje existe em Moscovo. No entanto, o debate sobre
a natureza da revolução mantém-se, e as discussões efusivas sobre os anos que
se seguiram à tomada do Palácio de Inverno também. Dificilmente haverá um
consenso. Muitos continuarão a ver o “diabo” nas transformações protagonizadas
por Lenine e Trotsky - continuadas ou destruídas por Estaline, e outros tantos,
continuarão a ver a Revolução de Outubro como um farol no combate ao
capitalismo. Divergências à parte, o centenário da revolução recupera um debate
que na verdade, nunca se esfumou.