23 outubro, 2008

PARA ALÉM DA POBREZA "ESTATÍSTICA"...

O relatório da OCDE “Crescimento e Desigualdades”, ontem divulgado, que analisa a distribuição dos rendimentos, afirma que o fosso entre ricos e pobres aumentou em 23 dos seus 30 países membros.
Portugal não faz parte do grupo dos 7 países que registaram uma redução da desigualdade dos rendimentos, muito pelo contrário apresenta um dos piores resultados, ocupando a terceira mais desigual posição. E quanto ao limiar da pobreza, Portugal, embora tenha registado uma melhoria desde 1990, o relatório afirma que 20,7% da população é pobre, depois de consideradas as transferências sociais públicas.
Com efeito, Portugal é um dos países europeus que apresenta maior desigualdade na distribuição de rendimento e taxas mais elevadas de risco de pobreza monetária. Se tivermos em conta que a pobreza "estatística" deixa de fora muitas pessoas e famílias que estando a alguns “metros” de atingir a “meta” do limiar da pobreza vivem com as mesmas ou até talvez mais dificuldades que os pobres estatisticamente classificados de pobres, compreendemos que o fenómeno da pobreza tem uma dimensão entre nós que não se esgota no cálculo de um indicador matemático.
Não é difícil comprovar esta realidade, bastando que para tal elaboremos um orçamento com as despesas mínimas, sem luxos ou excessos, sem férias ou festas, de uma família composta por pai, mãe e um filho, que na sua vida corrente tem que fazer face à educação do filho, a uma renda de casa, aos gastos com electricidade, gás e água, transportes e comunicações, alimentação, roupa, saúde, etc. para verificarmos que do lado do “haver” deveria constar um rendimento suficiente, mas que é insuficiente, para lhes fazer face.Ora, não é preciso ser “tecnicamente” pobre para sabermos que há muitas pessoas e famílias que não conseguindo fazer face a um orçamento de despesas mínimas, não conseguem dispor de um nível digno de bem-estar, vivendo com graves privações.
Ainda há bem pouco tempo contava-me um amigo, proprietário e gestor de uma indústria gráfica, que alguns dos seus colaboradores, suponho que não abrangidos pela taxa de 20,7% de pobreza, lhe solicitaram o adiantamento do subsídio de Natal para poderem fazer face às despesas com o material escolar dos filhos exigido com o arranque das aulas! Com baixas taxas de crescimento económico e baixos níveis de qualificação não criamos a riqueza necessária para folgada e rapidamente erradicarmos a pobreza.
Defrontamo-nos com importantes constrangimentos e défices quantitativos em virtude da nossa menor riqueza nacional, mas nem por isso podemos deixar de ambicionar criar uma sociedade de bem-estar, mais justa e equitativa, com um nível de exigência e de desenvolvimento em tudo semelhante ao dos outros países.Combater a pobreza, numa economia de recursos escassos – com baixas taxas de crescimento económico e baixos níveis de qualificação - envolve, como é o nosso caso, um esforço suplementar quando comparado com os países mais ricos e um compromisso que terá que ser necessariamente compreendido, assumido e repartido entre os direitos e os interesses das actuais e das futuras gerações.
Esta é uma matéria que requer uma larga compreensão e aceitação nacional, condição que a meu ver não está suficientemente discutida e consciencializada.A natureza das políticas redistributivas que têm sido seguidas não tem sido capaz de reduzir o fosso de desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres. Esta ineficácia resulta do facto de nem sempre os recursos serem canalizados para as pessoas em situação de vulnerabilidade e para as áreas em que as carências são sentidas e os recursos são verdadeiramente necessários.
O desenvolvimento económico é essencial, mas no curto e médio prazos são necessárias acções concretas, que passam por uma reorientação das políticas redistributivas, no sentido de aprofundar o princípio da diferenciação positiva que descrimine a favor dos mais pobres e mais dependentes e o princípio da selectividade, corrigindo a ideia de tudo distribuir por todos, mas antes distribuir por aqueles que precisam. Está em causa remover a ineficácia e a injustiça geradas por políticas assentes na implementação “cega” do princípio da universalidadeÉ também muito importante mais vigilância na atribuição de prestações sociais atribuídas sob a condição de recurso, quer investindo na obtenção de informação completa sobre a situação económica das pessoas e famílias que precisam de ajuda quer reforçando o acompanhamento de proximidade das situações de pobreza.
Toda esta vigilância implica naturalmente mais recursos e, portanto, mais custos de administração, mas que se revelam necessários para moralizar o sistema e zelar para que os recursos sejam canalizados efectivamente para quem deles precisa.

09 outubro, 2008

A DERROTA DO NEOLIBERALISMO

Estamos a viver a mais profunda “crise financeira” da época da “globalização” ou, grosso modo, descartando os pretensiosos neologismos neoliberais, estamos a viver a mais profunda crise do capitalismo, tendo como doutrina e expressão política o neoliberalismo.
A desregulamentação do Estado, apresentada como “reformas” necessárias e inevitáveis, para o relançamento da economia e acompanhamento da “modernidade” dos “novos tempos”, iniciada pelos Estados Unidos e pela Europa e por muitos outros países por esse mundo fora, visam um único objectivo – dar a máxima liberdade ao “mercado” – acreditando que ele, e só ele, se regula a si próprio como por uma “mão invisível”.
Para estes “modernos” líderes neoliberais, os mecanismos de mercado são racionais, pelo que podem perfeitamente organizar a vida económica, política e social, o que se traduz, em retirar o Estado como disciplinador da vida económica, dando total liberdade à acção empresarial.
Surgiram assim a par das políticas de desregulamentação, as privatizações, incluindo sectores estratégicos da economia, como a água, a electricidade ou a Saude, o ataque aos salários e aos sindicatos, impondo uma violenta mudança na relação de forças entre o capital e o trabalho. Mas, ao invés do desenvolvimento económico esperado, a implementação de tais políticas neoliberais provocaram um crescimento económico mais fraco, um maior desemprego, um aumento da pobreza e o acentuar progressivo das desigualdades sociais.
Segundo o relatório da Unctad (United Nations Conference on Trade and Development) de 1997, o crescimento mundial, reduziu-se de cerca de 4% ao ano nos anos 70, para cerca de 3% nos anos 80, e 2% nos anos 90. Esta fase superior do capitalismo – o imperialismo – encaminha-se para um beco sem saída. Com a “globalização” retiram-se recursos da área dos investimentos produtivos transferindo-os para a especulação financeira. Esta tendência, atinge directamente o coração da legitimidade do sistema capitalista neoliberal.
De forma mais ou menos explícita, todos nós nos queixamos das injustiças geradas pelo capitalismo, mas de certa forma as aceitamos na medida em que a riqueza do capitalista tendia a transformar-se em investimento produtivo, empregos e produtos. A injustiça social passava assim a ser um mal inevitável de um processo em última instância positivo. O que é novo, é que com a expansão dos sistemas de especulação financeira, segundo a Unctad, a crescente concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos não tem sido acompanhada por uma elevação de investimentos e crescimento mais rápido. As trocas especulativas diárias são da ordem de 1,5 triliões de dólares por dia, enquanto as trocas de bens e serviços realmente existentes mal atingem os 25 biliões, algo como 60 vezes menos.
Nesta lógica, o que constitui não uma excepção mas uma regular tendência das últimas décadas, assiste-se aos lucros crescentes de um lado, e a investimentos, salários e emprego decrescentes do outro, o que simplesmente torna este sistema neoliberal insustentável. A “crise financeira” actual é, afinal, o pronuncio do descalabro do capitalismo imperialista, do neoliberalismo.Não deixa de ser caricato, ver-mos hoje os mais acérrimos defensores do neoliberalismo, os líderes mundiais que conduziram com as suas políticas neoliberais a esta crise globalizada, socorrerem-se das nacionalizações e outras intervenções do Estado no “mercado”, na tentativa de atenuarem a crise, desdizendo assim todas a sua pratica anterior das ultimas décadas.
Mesmo assim, não questionam tais políticas, antes responsabilizam “a falta de opacidade e transparência da formação de activos financeiros e da sua circulação”. Culpabilizam as “entidades reguladoras” por terem sido permissivas a tais “desvios”. Como se tais entidades não fossem emanações do próprio desenvolvimento económico neoliberal, criadas (em substituição do Estado) com o único objectivo de transmitir uma aparência civilizada à selvajaria do mercado. Não são antagónicas ou sequer contraditórias com as políticas económicas neoliberais, antes as complementam. Que dizer, por exemplo, das nossas entidades que “regulam” o preço dos combustíveis, as tarifas da energia eléctrica ou as tarifas das telecomunicações.
A primeira quando questionada sobre o cartel dos combustíveis nada adiantou, a segunda propôs tarifas tão exorbitantes que brigou a uma intervenção do próprio governo, a terceira propôs a contagem aos 10 segundos quando por lei se deveria efectuar ao segundo. Como se torna óbvio, tais entidades não existem para “regular” coisa alguma, mas apenas para servir os interesses e objectivos do capital financeiro e, por ironia, custeadas pelo sacrificado e espoliado cidadão.

03 outubro, 2008

O FIM DE UM CICLO

Num mundo de mudanças rápidas e imprevisíveis assiste-se, com alguma perplexidade, ao ruir das muralhas em que se escudava esse capitalismo global, assente no mercado e na sua liberdade total, e na doutrina económica que atribuía à sua mão visível uma auto-regulação que se provou utópica.Cresceram as desigualdades e com elas as tensões sociais. Aumentou o desemprego e a insegurança passou a fazer parte do dia a dia do mundo civilizado.O sonho americano parece ter chegado ao fim e ser longa a travessia do deserto para a saída da crise. Uma crise que se repercute na Europa dos 27 onde a Irlanda, (um País que encabeçava a 10ª. posição na lista dos mais desenvolvidos PNUD -Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) acaba por ser o primeiro país da Zona Euro a entrar em recessão técnica com o PIB a cair pelo 2º.trimestre consecutivo.
Estas notícias inquietantes associadas à turbulência dos mercados financeiros e suas instituições, encontram eco numa América empobrecida e desvitalizada.

Uma reportagem da BBC em Santa Bárbara, na Califórnia, dá-nos conta como milhares de americanos vivem, actualmente, uma situação de pesadelo em que a crise das hipotecas os forçou a abandonar as suas casas para morarem nos seus próprios carros atulhados do pouco que conseguiram salvar.

E assim pernoitam, em condições precárias, em parques improvisados bem perto das suas antigas casas, de milhões de dólares, situadas entre as montanhas de Santa Yñez e o Pacífico e que agora estão vazias.

Sem tecto há já mais de um ano, estes novos sem abrigo provenientes duma classe média até então bem suportada, são uma consequência directa do colapso do mercado imobiliário norte-americano. É que os preços de casas na Califórnia caíram 30% só desde o início do ano até Maio com as inevitáveis consequências sobre os mercados que lhe estão associados.

Este exemplo ilustrativo dum ciclo que termina e que estava apodrecido, poderá servir de reflexão a todos aqueles que pensam que batemos no fundo no que se refere à degradação das condições de vida dos mais pobres e da dita classe média.

Um ano decorrido sobre o início da crise do subprime, as perspectivas continuam a não ser animadoras e os últimos indicadores apontam para a probabilidade dos países da Zona Euro bem como o Reino Unido virem a estar, tal como os EUA e o Japão, em situação de recessão nos próximos meses.

A confirmar-se o cenário traçado pelo Banco norte-americano Goldman Sachs de que mais de metade da economia mundial enfrenta risco de recessão, o futuro não se nos apresenta muito promissor.

Por isso, e apesar de, no caso português, a solidez da banca e a sua quase imunidade aos riscos de falência não fazerem prever a necessidade de injectar dinheiro e ajudar o sector, parece fazer cada vez mais sentido as advertências dos que consideram que o Governo deve suspender os grandes investimentos anunciados para o TGV e o novo aeroporto de Alcochete fazendo uma reavaliação realista à luz da crise financeira actual.

Crise que envolve, não só a necessidade de racionalizar os recursos do investimento, como a previsibilidade dos mercados não absorverem uma maior oferta de mobilidade em consequência da tendência de retracção dos orçamentos familiares