25 março, 2012

A DESIGUALDADE COMO CONDIÇÃO ESSENCIAL AO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO (MÁXIMA NEO-LIBERAL)


Estamos a viver a mais profunda e acelerada alteração social das últimas décadas. Esforçam-se as elites políticas, financeiras, monopolistas e oligopolistas por desvalorizar as profundas alterações sociais que se desenvolvem, tentando reduzi-las a simples “ajustamentos estruturais”. Na verdade, trata-se da mais brutal e rápida transferência de rendimentos dos trabalhadores e de amplos sectores da classe média - pequenos comerciantes e industriais - para uma minoria dominante constituída por elites políticas, financeiras e empresariais.
Torna-se igualmente visível, a profunda mudança do papel do Estado nos tempos actuais. De um Estado, até aqui com preocupações sociais e interventor na distribuição mais justa da riqueza social produzida, passámos a um Estado defensor incondicional dos interesses do capital, exercendo toda a sua força e poder contra a maioria dos cidadãos.
É esta a natureza do “novo” Estado que assegura, “custe o que custar”, esta transferência de rendimentos dos mais pobres para os mais ricos. E, pela primeira vez na história, resultante não de grandes convulsões sociais, de mudanças bruscas de ordem política e social, de revoluções sociais, mas do “normal funcionamento das instituições democráticas”. Talvez seja prematuro ainda, dada a rapidez com que se desenrola esta agressão à cidadania e a mistificação mediática que a acompanha, retirarmos tais conclusões. Contudo, o alcance das severas medidas que estão a ser impostas aos trabalhadores e à maioria da população, mereciam desde já seguramente uma resposta social mais firme do que aquela que observamos.
O aumento generalizado de impostos, a redução de salários, os despedimentos massivos, a redução das pensões e o aumento da idade da reforma, o aumento do tempo de trabalho, a redução das prestações sociais, a redução das funções sociais do Estado na Educação, Saúde e Segurança Social, a liquidação do património do Estado em sectores estratégicos como os combustíveis, electricidade, correios, águas, etc, etc, exprimem uma política de domínio da elite dominante que não conhece outros limites para alem daqueles que delimitam os seus próprios interesses.
O que tem neutralizado a consciência da maioria das populações da agressão de que estão sendo vítimas, a passividade, o abandono, a desesperança, o fatalismo, o conformismo com que aceitam as medidas que empobrecem as suas vidas, deve-se seguramente ao apoio activo dos defensores do neo-liberalismo, que fizeram suas, as medidas deste “novo modelo económico e social”.
O crescimento económico para esta gente, só será possível se existir empobrecimento da população. Ou, de outro modo, o crescimento económico exige uma regressão social, como taxativamente afirmou Passos Coelho no discurso de encerramento do Congresso do PSD. E nesta proposição se consubstancia e concentra toda a ideologia do neoliberalismo. Nada poderia ser mais claro.
Na verdade, o crescimento económico teve e terá sempre como destino a satisfação das necessidades da sociedade. Não pode existir crescimento económico fora da sociedade. Pelo que, quando se afirma “o crescimento económico só será possível se existir empobrecimento da população”, o que realmente tal proposição traduz, é que os benefícios do crescimento económico não serão distribuídos pela sociedade como um todo mas apenas por uma sua pequeníssima parcela. É pura, simples e claramente, a constatação da apologia ideológica da Desigualdade. Será preciso recuar na História, aos tempos primitivos da escravatura, para que uma classe dominante alguma vez assumisse com tanta clareza uma ordem social tendo a Desigualdade como condição essencial ao desenvolvimento económico.

04 março, 2012

AS INCONGRUÊNCIAS DA REFORMA ADMINISTRATIVA


Estando na ordem do dia, impõe-se regressar ao tema da Reforma da Administração Local e consequentemente à extinção e agregação de freguesias, a que neste espaço, já me referi por várias vezes.
Sobre esta matéria e antes de mais, das duas três!... Ou o PSD mudou muito - o que não acredito -, ou Miguel Relvas não conhece a História do seu Partido, ou então os contornos desta Reforma - como diria Alberto João – estão a ser delineados por uns rapazinhos lá para os lados de S.Bento, que não sabem o que andam a fazer. Tudo isto para dizer o seguinte: O governo, quer impor no que às autarquias diz respeito, não uma reforma político-administrativa, mas um conjunto de alterações avulsas, coerciva e apressadamente gizadas, feitas à margem do chamado Plano de Reajustamento ou Memorando de Entendimento, e portanto á margem das chamadas exigências da Troika, no que diz respeito à extinção de  Freguesias.
O ministro Relvas, que quase sempre se descontrola quando aborda este tema, dizia há dias a este propósito e entre outros disparates, como lhe chamou António Capucho, que esta reforma é incontornável, porque - pasme-se - a última tinha sido feita há 150 anos!... Que grande justificação...
Para que tal fosse no mínimo aceitável, seria então útil que o governante esclarecesse, qual é o ciclo mínimo para fazer este tipo de reformas!...  Serão 20, 50 ou 100 anos?!...
Mas para que se saiba e o “senhor” ministro aprenda alguma coisa, há que dizer, que não é verdade, que no que toca às freguesias, a tal reforma a que S. Ex.ª se refere, se tenha feito há 150 anos. O ministro, confunde reforma administrativa municipalista liberal, com a realidade das freguesias!... E confunde, porque estas só foram estabilizadas muito mais tarde que a época a que se refere, e já no advento da República. Em todo o caso porém, seria bom recordar ao ministro, que Portugal, lá por existir há cerca de um milénio, não tem que ser extinto, muito embora “alguns” que por aí andam, o queiram levar à extinção...
É bom contudo que se diga, que uma reforma séria, profunda e coerente de todo o universo autárquico português, implica muito mais que a questão simples, do desenho administrativo territorial de municípios e freguesias.
Tem que se esclarecer o nosso povo, que já em Fevereiro de 2006, se tinha anunciado a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, que passaria a chamar-se “Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais”. Aquela Lei visava pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas. A operação, segundo o Secretário de Estado que então tinha a tutela do assunto - Eduardo Cabrita-, começaria nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, onde de facto é desejável e nos Municípios com mais de 50 mil habitantes, ficando as zonas rurais para uma segunda fase, após serem objecto de estudo e consequente audição das populações .
E já agora é também bom não esquercer, as cambalhotas que os partidos do governo estão a dar nesta matéria!... Porventura já se esqueceram que em  2003, o Presidente da República de então - Jorge Sampaio - vetou uma lei-quadro dos municípios aprovada na Assembleia da República pela maioria PSD/PP, suspendendo a criação, entre outros, dos concelhos de Fátima e de Canas de Senhorim e consequentemente das respectivas freguesias?!...
Já se esqueceu este governo por acaso, da sua tentativa de contornar a Lei 142/85, de 18 de Novembro, introduzindo um aditamento “habilidoso” ao art.º 2º que possibilitaria a criação de novos 18 concelhos e novas freguesias, mesmo que não tivessem um mínimo de 10 000 eleitores, e uma área mínima de 24 km2 (500 km2 nas áreas de baixa densidade populacional)?!...
Já se esqueceu o PSD, que no rescaldo do REFERENDO àcerca da regionalização administrativa do território, quando defendeu o NÃO e ganhou, defendia que “o futuro passaria por um aprofundamento da municipalização” e, por isso, dizia então o PSD do ministro Relvas, que se deveriam criar mais municípios e freguesias?!... Isto repare-se, tem apenas doze anos!...
Uma Reforma Administrativa, não pode ser feita a régua e esquadro, como pretende o ministro Relvas!...  É necessário ter em conta, que esta área, que se pretende sólida para o futuro, deve ser tão abrangente quanto possível no espectro partidário, e deve determinar em qualquer país, independentemente do sistema político e do governo, muito trabalho e muito debate.
Uma Reforma deste tipo, não é coisa que se faça em poucos meses e apenas com um lápis, uma régua, um mapa e uma calculadora. Repito: É necessário com uma certa periodicidade e designadamente nas grandes Áreas Metropolitanas, promover reformas administrativas. Porém, as condições sociais, políticas e económicas para que elas tenham sucesso, têm que estar reunidas, como têm que estar reunidas essas mesmas condições no interior do país, sob pena de falharem. Tem que haver sólidos fundamentos, para uma Reforma  que é desejável, mas para a qual não bastam espichos intelectualóides ou entusiasmos vanguardistas, tutelados pela tecnocracia neoliberal, de raiz burocrático-administrativa, com incidência, entre muitas outras coisas, no número das freguesias, que visaria diminuir de forma drástica e por motivos supostamente orçamentais (diminuição da despesa pública).
E a este propósito: Alguém já se atreveu a demonstrar, que através das medidas de redução do número de freguesias  se irá “melhorar o serviço prestado, aumentar a eficiência e reduzir custos”?!... É evidente que não...
Esta imposição tecnocrática e neoliberal, é apresentada aos portugueses como uma necessidade de modernização e racionalização que adeqúe o país aos standards europeus. Mas porquê?!... Por vaidade?!... Para mostrar “obra”?!... Há que dizer a este propósito, que a Europa não tem quaisquer fundamentos éticos e políticos, para impor a Portugal uma realidade que ela própria não verifica na maior parte dos seus membros originários e qualquer comparação que se pretenda fazer, só pode ser feita por ignorância da realidade...
De facto, há cerca de 175 anos que Portugal promoveu uma profunda reforma administrativa, com incidência, entre muitos outros aspectos, no desenho territorial do sistema político-administrativo, reduzindo em cerca de 400 o número dos concelhos há data existentes e introduzindo metodologias que evitaram o crescimento do número de municípios até cerca de mil.
Com o advento do liberalismo, através de uma reforma conduzida, primeiro, por Mouzinho da Silveira (1832), então muito criticada e apodada de estar impregnada de “francesismo” e de centralismo, e mais tarde por Passos Manuel, na sequência do setembrismo (1836), introduziram-se as bases da administração moderna e liberal no nosso país.
Uma das medidas introduzidas em 1836 foi a já referida redução do número de concelhos, que ficou transitoriamente fixado em 351, de modo a permitir a viabilidade e eficácia da sua administração. Quanto às freguesias, cuja origem remota está nas paróquias, a situação manteve-se mais incerta, do ponto de vista administrativo, até ao início do século XX.
Esta grande reforma no formato da administração ao nível territorial não teve paralelo em nenhum outro país europeu durante cerca de um século.
Não há qualquer relação racional entre o nível de desenvolvimento, o grau de dificuldade orçamental pública e o tipo de desenho administrativo territorial. Há países com “boa situação” orçamental e com boa situação económico-financeira, que têm um número de municípios muitíssimo elevado. Parece portanto poder concluir-se, que a urgência com que o governo quer concretizar este arremedo de reforma, para cortar de forma drástica o número de freguesias, é desprovida de fundamento e justificação. Salvo naquilo que a idiossincrasia do ministro, que como se sabe é muito vincada, impõe.
Dito isto, é fundamental que se diga, que uma Reforma da Administração Local, se promovida numa base de honestidade intelectual e séria, seria bem vinda. Nos termos em que se pretende levar a efeito, transformar-se-à numa bola de neve em potência.
Aqui chegados, impõe-se também perguntar, se numa situação de profunda crise económica, financeira e social, se deverá dar prioridade a reformas deste tipo?!... Parece que a resposta sensata, é negativa, até porque é muito incerto que a redução do número de freguesias conduza, por si só, a uma redução sensível das despesas públicas. Toda a gente sabe que isso não é verdade. É quase surreal, que numa conjuntura como é a actual, se queira forçar esta reforma, que seria sempre difícil e complexa em si mesma, quanto mais quando conduzida sob a batuta coerciva e antidemocrática dos princípios defendidos pelo ministro Relvas em nome da Troika.