03 janeiro, 2022

O ANO DE 2021 EM REVISTA


Não se vive o presente e se projecta o futuro, sem avaliarmos o passado…”

2021 terminou!...  Neste inicio do novo ano ao rebobinarmos os últimos 365 dias, é mais que óbvio que a nossa atenção e reflexão recaia numa única realidade - ainda bem presente: quando perspectivávamos, a 31 de Dezembro de 2020 uma mudança e um regresso à normalidade no ano de 2021, eis que a pandemia, os constrangimentos dos impactos do vírus nas relações sociais e familiares, na economia, na saúde, nos empregos e na cultura, voltaram a marcar as rotinas, as regras, os comportamentos e os objectivos de cada um de nós e da sociedade um pouco não só em Portugal, como por esse mundo fora. Aos processos de confinamento que derivam ainda de 2020, juntou-se no último ano, o processo de vacinação massiva como arma de combate e mitigação do SARS-Covd2, entretanto pressionado pelo surgimento de uma nova variante - a Ómicron, que mesmo não deitando por terra o esforço feito, abala a confiança e a esperança num 2022 diferente. Segundo a OMS, os dados oficiais falam por si:

No mundo, registaram-se 

Estaria feito, facilmente, o retrato de 2021 à semelhança de 2020, mas a verdade é que, em 2021, houve "mais vida para além da pandemia", mesmo que alguns contextos com ela se relacionem.

Por entre portas...

1. Política

Por cá, o ano ficará sempre na memória pela primeira crise na história da democracia portuguesa, provocada pelo chumbo de uma proposta de Orçamento do Estado. Foi o dia 27 de Novembro a registar esse episódio, com o Governo de António Costa a ver chumbada a sua proposta de Orçamento para 2022 e desfazer de vez, o acordo parlamentar à esquerda - a tal chamada geringonça - que durante 6 anos permitiu ao PS governar o país. Daí até à confirmação da dissolução pelo Presidente da República da Assembleia foi um "piscar de olhos", confirmada que foi a 5 de Dezembro, com as eleições antecipadas a ficarem marcadas para o dia 30 de Janeiro deste ano de 2022.

Mas o ano de 2021 será ainda recordado como um ano eleitoral. Se o "passeio político" de Marcelo Rebelo de Sousa lhe garantiu a reeleição para o segundo e derradeiro mandato presidencial com 60,70% dos votos, as eleições para Belém deixaram algumas querelas internas no PS com o não apoio oficial à candidatura da socialista Ana Gomes e um dissimulado apoio à reeleição Marcelo.
Já as eleições Autárquicas a 26 de Setembro, tiveram impactos políticos mais acentuados. O PS venceu-as, mas com perda de mandatos e votos em relação a 2017; o PSD por sua vez viu recuperar a sua característica de Poder Autárquico, catapultada com a conquista, ao PS de algumas autarquias chave, como a título de exemplo, se pode referir Lisboa. Por outro lado ainda outro dado: as eleições autárquicas, confirmaram um número ainda crescente de mandatos e autarquias nas mãos de Movimentos Independentes. Por sua vez e apesar de se manter como a terceira força autárquica no país, os resultados do PCP ficaram muito aquém do esperado pelo Partido. Já o Bloco de Esquerda ficou ainda muito distante do sonho político de ter no poder de proximidade o mesmo impacto que tem na política nacional.

Mas se Janeiro começava com um processo eleitoral, o final de 2021 ficava também marcado por mais eleições, desta vez partidárias, com a realização das eleições internas no PSD e com a vitória clara de Rui Rio, confirmada que viria a ser, com a consagração no 39.º Congresso social-democrata.

Do mediatismo resultante do processo de vacinação nacional no âmbito da denominada "task force", o Vice-Almirante Gouveia e Melo acabou por se ver envolvido na polémica, entre Belém e o Governo, do "sai-não sai" do anterior Chefe do Estado-Maior da Armada, o Almirante Mendes Calado, para ser ele a ocupar o lugar na Chefia do ramo militar, numa Tomada de Posse sem brilho e demasiado trivial, na qual se notou a ausência do CEMA demitido e um certo mal-estar entre Marcelo Rebelo de Sousa e o Governo, nomeadamente o Ministro da Defesa.

Depois de meses entre polémicas, tal como ficou caracterizada a sua prestação governativa, a 3 de Dezembro, o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, confirmava a sua posição de "ministro passageiro", um facto que concorreu decisivamente para   a sua demissão - ou convidado a demitir-se -, muito por força do caso do atropelamento mortal de um funcionário ao serviço da Brisa, que estava a efectuar trabalhos de limpeza na A6.

2. Sociedade

Enquanto isso, a realidade da migração à escala mundial, deixou a nu, por força dos impactos da pandemia, o atropelo aos mais elementares direitos fundamentais que se registam em Portugal, nomeadamente com a exploração laboral dos trabalhadores migrantes nas estufas da região de Odemira.

3. Desporto

Por sua vez, o ano de 2021, foi pródigo em sucessos desportivos: ao fim de 19 anos de "jejum" o Sporting Clube de Portugal conquistou, de forma clara, o Campeonato da I Liga de Futebol Profissional; a vitória da Selecção Nacional de Futsal no Mundial realizado na Lituânia; as medalhas olímpicas do judoca Jorge Fonseca e do Triplo Salto de Pedro Pichardo e Patrícia Mamona.

O ciclo desportivo de 2021 ficou ainda marcado pela saída, demasiado previsível de Jorge Jesus do comando técnico do Benfica.

4. Cultura

Ainda em 2021, uma ovação muito especial para a celebração dos 80 anos de carreira da enorme Eunice Muñoz.

5. Obituário

As lágrimas de tristeza, vão para todos quantos viram diminuir as suas famílias vitimas que foram da pandemia e outros que neste último ano igualmente desapareceram do número dos vivos e cujas figuras mais conhecidas foram o ex. Presidente da República Jorge Sampaio, o ex-Ministro Jorge Coelho, o "Capitão de Abril" Otelo Saraiva de Carvalho,  e essa grande voz e figura do fado, Carlos do Carmo.

Personalidades de 2021

Em termos nacionais, as palmas à janela e as manifestações junto às unidades hospitalares depressa se desvaneceram com o tempo. Mas o que não esmoreceu, manteve a resiliência com um esforço heróico, um estoicismo que remou contra tudo e contra todas as  carências, mostrou o essencial no combate à pandemia. E a isto, um louvor também especial para o desempenho profissional e humano com que os profissionais da saúde - médicos, enfermeiros e auxiliares – protecção civil e forças de segurança que em conjunto para além da dedicação e da forma como se entregaram no combate a esta guerra pandémica, já lá vão dois anos ininterruptos, merecem todo o nosso louvor.

Em termos locais, a minha medalha de ouro vai obviamente para Orlando Alves, Presidente do Municipio de Montalegre. Orlando Alves, que cumprindo e bem a sua missão ao longo de dois mandatos e à partida para o último,  fechou o seu desígnio de vitória, obtendo pela terceira vez consecutiva a confiança dos barrosões, traduzida numa maioria absoluta. Resistiu a tudo: ao desgaste provocado pelos dois últimos mandatos; à rivalidade artificialmente criada por alguns, entre Montalegre e Salto; às acusações sobre a sua alegada familiaridade com a exploração mineira; à sua condição de arguido; e até à ingratidão e às traições de eleitores da sua própria área politica. Deu sempre a cara e na politica como na vida, as coisas não funcionam como alguém em particular quer, isso sim como tem que ser. A medalha de prata, vai para o social-democrata Germano Francisco Pires Batista, ao conseguir  finalmente alcançar o seu objectivo de arrebatar a Junta de Freguesia de Montalegre-, aos socialistas. A sua persistência valeu e a freguesia mais populosa do concelho, é hoje em termos políticos a única bandeira do PSD local.  

A medalha de lata, vai obviamente para José Moura Rodrigues!... Mau de mais para um politico a quem falta tudo. Perdeu em todas as “frentes”, até no modo pouco democrático como ascendeu à liderança do PSD-Montalegre e do que se lhe seguiu, em vésperas de eleições autárquicas.  José Rodrigues, mandou às malvas a ética politica sempre defendida pelo fundador do Partido e daquilo que se lhe conhece. nada mais se vislumbra do que uma  conduta politica mais parecida a um policia, que a um Vereador com responsabilidades. Mau de mais, quando por portas e travessas se fomenta  a descredibilização das instituições, a desconfiança e os ditos atropelos à ética de que Sá Carneiro fez bandeira. Não admira por isso ter-se desviado de Rui Rio, o tal homem que prima pelos interesses de todos, acima dos demais. José Rodrigues, fez precisamente o contrário ao longos dos últimos quatro anos.

 

Lá por fora...

1. Sociedade

A contínua e continuada crise humanitária dos Refugiados, seja na Europa, seja na América, continua a marcar cada dia do calendário com o desespero de muitas mulheres, crianças e homens na luta pela sobrevivência e pela fuga à morte nas suas terras de origem. A humanidade terá durante muitos anos este enorme peso na consciência colectiva, com responsabilidades repartidas, principalmente por aqueles que fecham as suas portas, mas que durante décadas a fio alimentaram a destruição das condições de vida em muitas zonas do globo, nomeadamente em África, no Médio Oriente e na América Central e do Sul.

Não será por isso de estranhar, a referência à grave crise humanitária vivida às portas da União Europeia, na fronteira da Bielorrússia e da Polónia, e a continuada chegada a Ceuta, Grécia, Itália e Malta daqueles que sobrevivem à incerteza da travessia do Mediterrâneo.
A par dos direitos e garantias fundamentais, surge a importância do respeito pela Liberdade, nomeadamente a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Informação, como garantes da estabilidade e desenvolvimento de uma sociedade. O ano de 2021 ficou marcado pelo inédito reconhecimento da Academia Nobel do papel do jornalismo e dos jornalistas na promoção da liberdade de pensamento, expressão e informação espelhado no trabalho de dois jornalistas: o russo Dmitri Muratov e a filipina Maria Ressa.

2. Política

Nesta área e internacionalmente falando, há duas marcas importantes em 2021, que são, manifestamente, os acontecimentos internacionais do ano.

Primeiro, o regresso ao fim de 20 anos, dos Talibãs aos destinos do Afeganistão e as imagens que ficaram na memória colectiva com o caos em que decorreram os últimos dias da retirada americana, nomeadamente com os 183 mortos num atentado do auto-denominado Estado Islâmico-Daesh no aeroporto de Cabul - entre os quais 12 norte-americanos, e os milhares de afegãos a escalarem aviões em tentativas desesperadas para saírem do país. Conseguir sair ou ficar era a clara diferença entre viver ou morrer.
Segundo acontecimento, o final de um ciclo governativo na Alemanha e na Europa com a saída da senhora Europa - Angela Merkel. Ao fim de 16 anos e 4 mandatos, a primeira mulher a chefiar um Executivo no país mais poderoso da EU, sai da cena política com uma marca inquestionável de afirmação política e governativa, que levou os alemães a apelidarem-na de mutti – mãe - e a ganhar o respeito pelo menos de toda a Europa.

Mas nem tudo foram rosas: mal 2021 dava os "primeiros passos", a 6 de Janeiro os Estados Unidos da América viam o "coração da sua democracia" - o Capitólio, invadido por apoiantes de Donald Trump, que tinha perdido as eleições presidenciais no final de 2020, numa tentativa de ensombrar a tomada de posse de Joe Biden a 20 de janeiro, à qual pela primeira vez na História um Presidente cessante não marcou presença. Caía um manto de vergonha sobre aquela que é vista - mesmo que de forma sobrevalorizada, como o exemplo da democracia.

E a propósito de Democracia, o recente relatório "Freedom in the World 2021: Democracy under Siege" - Democracia sob cerco -, da organização "Freedom House", dá conta do estado da democracia em 195 países e 15 regiões, registando um retrocesso democrático em 72 países com os exemplos mais sonantes a registarem-se no Afeganistão, Argélia, Arábia Saudita, Azerbeijão, Bielorrússia, Camarões, Cambodja, China, Coreia do Norte, Costa do Marfim, Egipto, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos da América durante a Administração Trump, Etiópia, Filipinas, Guiné Equatorial, Hong Kong, Hungria, Iémen, Índia, Liechenstein, Líbia, Moçambique, Nicarágua, Polónia, República Centro Africana, Rússia, Sérvia, Síria, Somália, Tailândia, Turquia, Uganda, Venezuela, ou ainda o conflito entre a Arménia e o Azerbeijão pela posse de Nagorno-Karabakh.

Mais: os índices de avaliação usados pela "Freedom House", como o nível de democracia, a integridade e legitimidade eleitoral, os direitos humanos e a igualdade, a responsabilidade e transparência governativas, o fortalecimento da sociedade civil – cidadania - a promoção e defesa das liberdades de informação, de expressão, de associação ou religiosa, determinam segundo esta Instituição, a existência de 83 democracias livres, 63 parcialmente livres e 64 sem liberdade, num universo de 195 países e 15 regiões.

Outro dado: cinco anos após o referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia e terminadas as longas e complexas maratonas de negociações no ano passado, apenas 4% dos britânicos acha que o brexit tem sido positivo. Aliás, numa sondagem realizada em Inglaterra, 21% dos ingleses, galeses, escoceses e irlandeses do Norte, referiram que o brexit tem corrido mal e 32% muito mal. Se o referendo se realizasse em 2021, segundo uma sondagem da Savanta ComRes, 51% dos eleitores votaria para ficar na União Europeia.

Enquanto isso, na América latina, os chilenos optaram por virar a página na governação do Chile e eleger um novo chefe de estado: o candidato vencedor da esquerda, Gabriel Boric, com apenas 35 anos.

3. Geopolítica

Nesta área, a China e a Rússia continuam a sua histórica "guerra silenciosa" para conquistar a supremacia regional e internacional, tendo sempre como referência os Estados Unidos.
A vantagem parece estar do lado da República Popular da China com o aumento de influência a nível mundial e a determinante popularidade de Xi Jinping, com a aprovação da resolução histórica que o aproxima de Mao Tse Tung e Deng Xiaoping.
A pressão e ameaça da Rússia para intervir militarmente na Ucrânia, caso a NATO se aproxime das suas fronteiras - com a adesão da Ucrânia à organização, à semelhança do já anunciado desejo da Geórgia – NATO e UE - tem sido o principal foco de Putin, com pontuais deambulações de apoio à Bielorrússia e ao "novo" Afeganistão.

4. Ambiente

O ano da COP26 - Cimeira do Clima e 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021, foi também o ano dos fenómenos extremos como as cheias no norte da Europa, por exemplo na Alemanha e na Ásia, e os incêndios na costa mediterrânica, na Califórnia e na Austrália, ou a erupção do Cumbre Vieja em La Palma nas Canárias, com mais de 120 dias de actividade sísmica, deixando um gigantesco rasto de destruição e mais de seis mil pessoas desalojadas.

5. Conflitos Internacionais

O ano de 2021, infelizmente não destoou dos anteriores no que respeita à conflitualidade e à guerra, matando milhares e milhares de pessoas em todos os continentes, a maioria inocentes, ou deslocando milhares e milhares de pessoas que fogem ao flagelo da morte - mais de 82 milhões: Afeganistão, Camarões, Chade, Colômbia, conflito Curdo-Turco, R.D. Congo, Etiópia, Faixa de Gaza, Filipinas, Iémen, Indonésia, Iraque, Líbano, México, Myanmar, Nigéria, Paquistão, República do Centro Africana, Ruanda, Síria, Somália, Sudão,  ou terrorismo islâmico no norte de Moçambique em Cabo Delgado, como tristes exemplos.

6. Economia

Esta é uma realidade que marcou a economia em 2021 e que se perspectiva prolongar-se pelo menos em 2022: a crise dos preços da energia, da logística e do transporte, com claros impactos nos preços e fornecimento dos materiais e matérias-primas, equipamentos e bens essenciais.

7. Obituário

Da defesa dos Direitos Fundamentais à Cultura, passando pelo jornalismo, o mundo perdeu em 2021 personalidades marcantes como o Arcebipos Anglicano Desmond Tutu, o Bispo D. Basílio do Nascimento - uma referência incontornável em Timor-Leste, um dos nomes mais emblemáticos do jornalismo norte-americano, Larry King, ou ainda o baterista dos Rolling Stone, Charlie Watts.

8. Personalidades

No plano internacional e tendo como pano de fundo a inevitável pandemia e por mais cansados que estejamos dela, as minhas medalhas de ouro, vão ex aequo não para um, mas para três personalidades internacionais cujo desempenho em 2021, foi determinante em várias áreas.

Para a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que ficará para a história como a "Presidente da pandemia" pelo esforço empregue na massificação da vacinação e no Apoio Financeiro da União Europeia aos Estados-Membros para colmatar os impactos económicos e sociais da COVID-19, a chamada "bazuca". Isto, sem esquecer a firmeza com que enfrentou Boris Johnson no processo de aplicação dos acordos do Brexit, em relação à Rússia no conflito com a Ucrânia, em relação à crise humanitária provocada, deliberadamente pelo Presidente da Bielorrússia, ou a forma como tem lidado com a resistência interna da Polónia e Hungria.
Para António Guterres, que foi de forma clara e unânime, reconduzido como Secretário-geral da ONU, o que revela um trabalho meritório à frente da gigantesca organização mundial, num período significativamente difícil.

Por último para Tedros Adhanom Ghebreyesus!...  Goste-se ou não do senhor, seria de extrema injustiça não referir o principal rosto do combate à pandemia a nível internacional, pela responsabilidade que tem na gestão da principal organização de saúde do Mundo: a OMS. A grande verdade, é que o Secretário-Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, viu-se envolvido numa tragédia sanitária à escala mundial que apanhou tudo e todos de surpresa, incluindo a própria OMS, a ciência, os governantes e a medicina, sem qualquer conhecimento prévio deste vírus SARS-Covd2. Mas isso não demoveu Tedros Adhanom de dar a cara, alertar e indicar soluções, ao mesmo tempo que criticava a falta de solidariedade dos países ricos para com os mais pobres, seja na ajuda humanitária e médica, seja na distribuição das vacinas. Um papel e uma responsabilidade pública que não é para qualquer um.

02 janeiro, 2022

O “BAÚ” DA REGIONALIZAÇÃO


O Primeiro-Ministro António Costa, esteve neste último mês no Congresso da Associação Nacional de Municípios e no seu discurso, voltou a referir-se ao tema da regionalização, deixando no ar a possibilidade de se voltar a referendar esta questão em 2024. Não falou em “referendo”, mas na menos fantasmagórica abordagem de ”dar a voz ao povo”, o que é exactamente a mesma coisa, embora sem a carga negativa que pelos vistos este instrumento de consulta ainda tem quando se fala em regionalização.

Se as palavras de António Costa têm a grande virtude de abrir um baú que muitos querem que continue fechado, regionalizar não é no entanto um fim por si mesmo. Este processo de descentralização deverá ter como finalidade, contribuir para o equilíbrio do território, dotando as regiões com uma relativa autonomia decisória e financeira, para elas próprias delinearem e implementarem os seus eixos de desenvolvimento.


Em 2021 já deveria ser evidente, que o pomposamente denominado “desenvolvimento regional” não se faz com a mera soma de Municípios em Associações ou em Comunidades Intermunicipais sem autonomia ou capacidade para avançarem um metro sequer nesse desígnio. E ao contrário do que muitos pensam, regionalizar significa agrupar e não o contrário. Mas agrupar efectivamente e com um propósito comum. Voltemos, então, a 1998 e ao mapa que foi a referendo!...Pela primeira vez, pegávamos nas palavras e nas intenções que andavam a pulular por aí e efectivou-se numa proposta.

Os distritos de Vila Real e Bragança, ficariam sedeadas na Região de Trás-os-Montes e Alto Douro, a qual como todo o processo foi chumbada no referendo. Agora que se volta a colocar em cima da mesa a opção de “dar a voz ao povo” em matéria de regionalização, será muito instrutivo fazer uma jornada pelos arquivos e ver tudo o que foi dito sobre este processo na região. Lá estarão com toda a certeza impressos no tempo, inesquecíveis tratados políticos sobre o “inferno” que iria cair sobre nós caso tal coisa viesse ser aprovada. Não sabemos que “infernos” nos estariam destinados, mas se se estavam a referir à perda de dezenas de milhar de habitantes nas duas décadas seguintes a 1998, então esse “inferno” chegou mesmo sem a “infame” regionalização. Agora, 23 anos depois do referendo, quem tem de dar explicações é quem na altura defendeu o modelo centralista que está hoje em vigor, como sendo o melhor para a região e caberá a todos os outros ouvir, as por certo “irrepreensíveis justificações”.

O que já se adivinha para 2024, até para evitar dissabores num eventual novo referendo – que é exigido pela Constituição – é uma nova proposta de regionalização segundo as actuais regiões tuteladas pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional. Ou seja, Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Um mapa de regiões-plano, aparentemente mais consensual, seguro e pacífico do que o de 1998. A ser assim, Trás-os-Montes e por acréscimo a região do Ato Tâmega e Barroso, continuarão no estado em que sempre estiveram - o da miragem. Mas para muitos, é assim que está bem, principalmente para quem passa o tempo a “berrar” sem saber o que diz Uma coisa é certa: a concretizarem-se os propósitos, 2024 vai trazer muita coisa nova e esclarecedora…


Texto escrito de acordo com a antiga ortografia - Revista A Barrosana|Janeiro2022

01 janeiro, 2022

O INTERIOR, O REGRESSO AO PASSADO RECENTE, E O FUTURO…

A adesão de Portugal à União Europeia e o acesso aos fundos comunitários, têm permitido um progresso inequívoco do país e uma melhoria na qualidade de vida dos portugueses. De tal facto, parece não restarem dúvidas!... Na saúde foram construídos hospitais e dezenas de centros de saúde, agora cruciais no combate à Covid-19;  temos hoje mais população abrangida por abastecimento de água potável, tendo a cobertura passado, segundo as estatísticas de 70 para mais de 95%; foram valorizadas as áreas protegidas; foram valorizados os centros históricos, o património e a cultura; renovamos e requalificamos escolas em todo o país; foram criados laboratórios colaborativos, que juntando ciência, empresas, pessoas e instituições, permitem hoje valorizar activos territoriais - alguns deles no nosso concelho, como sendo os dirigidos às fileiras da produção vinícola, da floresta e do agroalimentar; e para o futuro, projecta-se já, a remodelação e novas vias da rede ferroviária na maior operação de sempre, a qual nunca seria possível sem o apoio dos ditos fundos comunitários. Para além disto, na economia, milhares de empresas foram igualmente apoiadas e nos últimos quatro anos pré-pandemia, igualmente com o apoio dos fundos comunitários, alcançámos recordes nas exportações e registámos até, um crescimento acima da média da União Europeia.

Agora, vem aí a chamada e famosa “bazuca”, e com ela, será sempre possível fazer mais e melhor, com mais exigência, mas também com maior escrutínio público. Como todos sabemos, a Comissão Europeia considera o PRR “um plano robusto e ambicioso” e com “mecanismos de controlo fortes”. Para a sua execução, Portugal vai ter ao seu dispor, qualquer coisa como o maior volume de fundos comunitários de sempre, ou seja, cerca de 57,9 mil milhões de euros. Ora sendo assim, este é pois um desafio que na actualidade nos deve convocar a todos: Governo Central, Poder Local, Instituições públicas e Promotores. As alterações climáticas, a convergência com a União Europeia e principalmente a coesão territorial, são atributos e desafios estruturantes que não podem, muito menos devem ser ignorados. E tudo isto, como não poderia deixar de ser, dever-nos-à  também levar a pensar, do acentuar da perda de população do interior para o litoral – cujos recentes dados do INE vieram evidenciar – exigindo-se por isso, novas e reforçadas medidas de discriminação positiva que cabe a todos promover nessa parte do território. As fórmulas adoptadas no passado, revelaram-se de todo insuficientes!... É preciso por isso pensar de novo e pensar diferente. O Portugal 20.30 e o PRR, têm de trazer uma nova ambição para o interior. Ambição que não se resolve apenas com mais fundos, mas também com políticas que favoreçam a atracção e fixação de pessoas. Fixar e atrair gente no interior é – tem de ser – um desígnio nacional. Falou-se em tempos do programa “Chave na Mão”, criado com a intenção de levar mais habitantes para o Interior, porém, todos sabemos ter sido um fracasso. Regulamentado em 2020, em pleno arranque da pandemia, o “Chave na Mão” está ainda à espera de se tornar numa assinalável surpresa, mas para que tal possa ocorrer, é preciso que “assente em chão firme” para vingar. E o problema de sempre, é existir ou não existir esse dito chão, onde as boas ideias possam germinar. E não nos venham com as falaciosas teorias, de que esse é um problema das politicas locais. Claro que não é!... Só os desatentos ou incompetentes alimentam tais discursos. O que está demonstrado e torna visível o fosso existente, são as duas realidades que o Poder Central desde hà muito nos vem oferecendo e que não é alterável apenas com ideias e vontades. A elas é preciso juntar estratégia, muita insistência e a admissão definitiva de que estamos a lidar com realidades extraordinariamente distintas - realidade económica, realidade demográfica, e realidades de percepção. E sendo assim, nunca como agora, o tal chão fértil teve tantas condições para dar frutos, se lhe forem dadas as condições de base, lançando-se programas de repovoamento e de atractividade de trabalhar a partir de casa para o mundo – um dado, que veio para ficar e que não pode ser ignorado.

Fazer programas diferenciados e atentos às condições específicas dos territórios é positivo, mas tem faltado sempre o resto!... Faltou a estrutura de base onde tudo isso possa florescer, ou seja, a qualidade de vida no Interior, que por todos é celebrada, mas que não se pode esgotar nas paisagens intactas. A qualidade de vida gera-se no fundamental: no acesso aos cuidados de saúde; na presença de uma rede de transportes públicos minimamente estável; e na capacidade das empresas e cidadãos terem efectivamente vantagens e não esmolas em residir|resistir nos territórios onde todos devem contribuir para travar a sangria demográfica em processo de aceleração. O tal país de “risco ao meio”, deve por isso assumir que não há outra forma de aliviar assimetrias de proporções escandalosas, sem medidas de ruptura assumidamente distintivas, e que passam por quotas por distrito no acesso à Administração Pública; na fiscalidade, no acesso ao investimento; na retenção e captação de quadros;  na criação de empresas; e na captação de profissionais de saúde.

As eleições legislativas que se aproximam, serão mais uma vez terreno fértil para a conjugação de um verbo que não o é, mas se deseja que possa vir a ser. Se assim não fôr, a tal dita “bazuca” não servirá para nada, e parte do país transformar-se-á a muito curto prazo em “deserto” ou “zonas desactivadas”.

(Texto escrito segundo a antiga ortografia)