31 janeiro, 2017

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS - ZANGAS E AMÚOS!... SERÁ QUE É MESMO ASSIM?!...

Só os próprios o poderão confirmar, mas fazendo fé num jornal que lhes é muito próximo e sempre pronto a enviar os “recados da praxe”, a ilação que se pode retirar desta noticia, é que não há “fumo sem fogo”.
Noticia, que destaca a situação que se vive no seio do PSD e do CDS, que governaram o país entre 2011 e 2015, mas que agora parecem desavindos por causa das eleições autárquicas que se aproximam.
Segundo dizem as “más línguas”, terá havido uma aliança nacional entre os dois Partidos, no sentido de poderem optimizar os seus resultados eleitorais, e dessa forma levar o PS a uma derrota autárquica, conquistando-lhe a maioria das Cãmaras que actualmente detém e quem sabe a provocar-lhe um “rombo politico”, de consequências imprevisíveis, ou quem sabe até, qualquer coisa semelhante ao que aconteceu com António Guterres em 2002.
É normal que assim seja, porque a luta política para o bem ou para o mal, em Portugal é mesmo assim!... Porém as coisas não correram de feição, e antes que fosse tarde, a “centrista” Assunção Cristas decidiu de uma penada, candidatar-se não só a Presidente de Câmara, como escolher desde logo a capital, sem dar cavaco a Passos Coelho, que pelos vistos não terá gostado nada de ter sido posto de lado.
O problema é que como ninguém conhece a dita Assunção – uma amadora ainda que com salário de profissional, o que ela queria mesmo, era aparecer nas televisões a troco de publicidade "barata", esquecendo porém que o seu pequeno Partido – o quinto do “actual arco da governabilidade” - não tem estatuto político para estas jogadas.
E depois veio o pior: a astúcia da Assunção, talvez ainda inspirada no esperto que a antecedeu, alastrou por muitas outras localidades do país onde se estavam a preparar eventuais coligações entre ambos os Partidos, mas onde também se terão verificado os mesmos tipos de esperteza do CDS, que sem noção das realidades exigia paridades.
Evidentemente que o clima tinha que azedar, e... azedou , ocorrendo amuos de norte a sul, com particular realce para Lisboa, onde uma vez confrontado com esta realidade, o PSD já vai na sexta tentativa de arranjar um candidato, sem o conseguir.
Dito isto uma conclusão se pode tirar: os debates parlamentares que as televisões transmitem, têm mostrado a qualidade desta gente!... Sentados nas primeiras filas sob a orientação do cinico Montenegro e do imbecil Magalhães, outra coisa não têm feito senão usado vezes sem conta uma linguagem despropositada, provocadora, agressiva e até injuriosa. Parece não contarem para o país e a sua preocupação é baterem no tampo das mesas que não são deles, gritarem, gesticularem, e sabe-se lá mais o quê por “entre-dentes”. Coisas mal digeridas...
Comportamentos que com o "devido respeito", não diferem muito dos praticados pelas claques do futebol, e que revelam uma completa distorção daquilo que é a democracia. E sendo assim, como é que gente desta se pode entender?!...
Quanto a Coelho, tal como um qualquer líder da oposição, por norma não concorre a Presidente de Câmara!... O seu alvo será sempre o de Primeiro-Ministro. Porém face a tanta dificuldade, porque não imitar Jorge Sampaio, quando em situação semelhante concorreu e ganhou a Câmara de Lisboa?!... Uma oportunidade talvez para mostrar o que vale…

28 janeiro, 2017

PASSOS COELHO CILINDRADO PELA TAXA SOCIAL ÚNICA!...

Para quem pretendeu aumentá-la de 11 para 18%, não podia ser de outro modo!... Passos, mostrou nesta matéria a sua verdadeira face. Na primeira vez bateu contra uma parede; na segunda foi abalroado pela manifestação de 15 de Setembro; na terceira vez foi atropelado por Paulo Portas e na quarta acabou cilindrado pelo PS.
O PSD nunca se deu bem com a TSU!... Estávamos em Maio de 2010 e Pedro Passos Coelho ainda nem sequer era Primeiro-Ministro. O então líder social-democrata lançava a ideia de uma “política de desvalorização fiscal” que consistia em baixar a taxa social única (TSU) suportada pelas empresas para tentar espevitar a economia.
Na altura, em campanha eleitoral, Passos Coelho defendia a medida e convicção não lhe faltava: “se alguém tem uma solução melhor do que aquilo a que tecnicamente se chama a desvalorização fiscal interna, para ganhar competitividade, que o diga, eu não conheço”.
Havia uma corrente na Europa que defendia esta tese. Em França, a medida acabou por ser posta em prática por Jean-Marc Ayrault que aumentou o IVA para ganhar folga orçamental para baixar a TSU das empresas. Em Portugal, a ideia chegou a constar na versão inicial do memorando assinado com a troika, e o Governo chegou a encomendar um estudo a representantes do Banco de Portugal e dos Ministérios das Finanças, Economia e Emprego e Segurança Social.
O estudo dizia que uma baixa de apenas 3,7 pontos na TSU implicava uma perda de receita de 1,5 mil milhões de euros. Passos “fez as contas” e chegou à conclusão que as contas públicas que tinham sido depauperadas pela governação de José Sócrates não lhe davam margem orçamental para tais veleidades e experimentalismos económicos.
Tínhamos de “encontrar outras alternativas” para estimular a economia, prometia Passos, sem se dar por vencido. Era a primeira derrota de Passos contra a TSU. Passos 0 – TSU 1.~
Em Setembro de 2012 e já Primeiro-Ministro, entrou numa espécie de deriva neo-liberal!... Fez uma comunicação ao país para anunciar não uma “desvalorização fiscal”, mas um choque fiscal brutal que iria resultar numa monumental transferência de riqueza dos trabalhadores para as empresas. Passos propunha então uma descida da TSU das empresas dos 23,75% para 18% e um aumento da contribuição dos trabalhadores de 11% para 18%. A ideia era tão descabida quanto radical e a monumental manifestação de 15 de Setembro levou milhlhões de portugueses à rua para mostrar a Passos Coelho que a política do “custe o que custar” tinha um custo e tinha um limite. Poucos dias depois, a medida caía. Passos voltava a ser derrotado pela TSU. Passos 0 – TSU 2.
Passos tremeu mas não caiu!... Um ano depois, já não era bem a TSU, mas ficou conhecida como a “TSU dos pensionistas”. Era um novo choque fiscal cujo alvo eram agora os pensionistas. O Primeiro-Ministro queria substituir a Contribuição Extraordinária de Solidariedade por uma contribuição permanente, provocando mais do que um “cisma grisalho”, um cisma dentro da própria coligação com o CDS-PP. Paulo Portas tanto barafustou, que no início de Outubro de 2013 a medida caía mais uma vez por terra. A luta de Passos Coelho contra a TSU começava a assumir contornos de goleada. Passos 0 – TSU 3.
Passos tremeu outra vez, mas ainda não foi dessa que caiu. Resistiu e até foi capaz de ganhar as eleições. Mas uma estranha e esdrúxula coligação entre “socialistas e a esquerda radical” arredou-o do poder. E foi em Janeiro de 2017 que Passos Coelho, já na oposição, resolve comprar a sua quarta guerra contra a TSU.
António Costa fechou um acordo de concertação social com patrões e a UGT para aumentar o salário mínimo nacional, e como moeda de troca promete aos patrões uma descida na TSU em 1,25 pontos para vigorar durante ano e meio. A ideia não era nova!... Já tinha sido adoptada por Helena André no tempo de José Sócrates, e por Pedro Mota Soares na coligação que o próprio Passos liderou.
Quando o PCP e o Bloco, discordaram desta abébia dada aos patrões, anunciaram que iriam pedir a apreciação parlamentar do Decreto-Lei do Governo que baixava a TSU e meio país ficou surpreendido quando Pedro Passos Coelho veio anunciar que o PSD iria votar contra a sua descida.
Para tentar demonstrar a contradição que existe na actual solução governativa entre o “PS e a esquerda radical”, que que para ele além das políticas de reversão nada têm em comum, Passo Coelho expôs-se ele próprio a uma grande contradição: resolveu chumbar uma medida, que percebe-se pelo que até aqui se escreveu, lhe é muito cara.
Claro que existiu uma grande hipocrisia do lado de Costa que criticou Passos Coelho e nem por um minuto que seja se lembrou de ir pedir votos aos outros dois partidos que suportam o Governo no Parlamento. Claro que existiu uma grande hipocrisia do lado do PS que criticou o PSD, e não se lhe ouviu uma única palavra contra o também socialista Correia de Campos, que pasme-se, sendo Presidente do Conselho Económico e Social, também havia dito que discordava da baixa da TSU dos patrões, já depois do acordo na concertação social estar fechado.
Uma coisa é porém certa: a hipocrisia não deveria ter sido combatida com mais hipocrisia. Foi hipocrisia a mais e Passos acabou por sofrer mais um golo. Resultado final, Passos 0 – TSU 4.
Agora com o PEC a navegar em águas serenas, resta a Passos encontrar soluções para o novo desafio – o candidato à Câmara de Lisboa. Já com “cinco lesionados fora do combate”, a tarefa não se afigura fácil para mais este desafio. Será que também irá dar goleada?!... 

19 janeiro, 2017

- UMA VIDA CUMPRIDA!...

Morreu um vulto da democracia e da liberdade e já tudo terá sido dito e escrito como reacção à sua morte - até a boçalidade sinistra de algumas afirmações. O que falta agora escrever, será a História a fazê-lo, mas não é ainda o tempo. É tempo isso sim, de nesta primeira edição de 2017 do Noticias de Barroso ter o prazer de afirmar – ainda que contra ventos e marés - como em vida marcou o nosso caminho como país nas últimas décadas, numa luta contínua por valores essenciais – os valores da Liberdade e da Democracia.
Mas sendo assim, impõe-se desde já uma questão prévia: será que Mário Soares decidiu sempre bem ao longo da sua vida?!... A resposta é obviamente não. E será que fez sempre tudo bem?!... Também não. Porquê?!... Simplesmente porque era apenas um Homem!… Um Homem com virtudes e com defeitos, como qualquer outro homem.
Por razões profissionais, cruzei-me algumas vezes com Mário Soares!... Nunca me convenceu como pessoa, e tenho ainda hoje do senhor, a mesma imagem que tinha há 28 anos, quando da sua passagem pela Presidência da República. Apesar disso, tal não me impede de o ter admirado enquanto politico. A afectividade, nada tem a ver com o desempenho e a competência de cada um. E não o digo por acaso: digo-o, para lembrar aos “pobres e mal agradecidos” e a outros “acorrentados às suas atitudes, e até nalguns casos às suas paranóias”, que mesmo não se gostando da sua figura, possivelmente já terão esquecido que foi o seu "radicalismo político" quecontribuíu de sobremaneira para a construção do regime democrático do país, para a restauração das liberdades e para a consolidação da democracia. Sem Mário Soares, Portugal não seria hoje seguramente o mesmo país que é. Ora é exactamente perante estes factos que apenas a demência poderá contrariar, que prefiro estar do lado certo da História, e deixar “os saudosistas” que por aí pululam com acusações e insultos em caixas de comentários, entregues aos seus sintomas da degradação dos tempos que vivemos. Não alinho nem em classificações depreciativas, nem em elogios de circunstância. Recordo apenas um Homem que viveu intensamente, que correu riscos, mas acima de tudo, um Homem corajoso antes e depois de Abril de 1974. É exactamente por isso, que não me custa afirmar, que politicamente Mário Soares foi um gigante, senão o maior de todos. A sua coragem política e física, assumiram proporções épicas.
Filho de um repúblicano e Ministro da Primeira República, que deixou até hoje um importante legado na pedagogia e no ensino - o Colégio da família foi uma ilharga de pensamento livre durante a longa noite da ditadura – Soares, influenciado por Álvaro Cunhal, iniciou a sua actividade política conhecida apenas com 14 anos de idade. No longínquo ano de 1943, quando a Europa ainda estava ocupada pelos nazis, integrou o Movimento de Unidade Anti-Fascista - o MUNAF e dois anos depois, fundou o MUD juvenil, que lhe valeu a sua primeira prisão pela PIDE. Ao longo da sua caminhada na luta pela democracia, foi ainda preso mais 12 vezes, antes de ser deportado para São Tomé, passando longos períodos encarcerado e afastado da família, enquanto outros tratavam da sua vidinha, sem se importarem de hipotecar a sua própria consciência - se é que a tinham.  Apoiou o General Norton de Matos em 1949 e o General Humberto Delgado em 1958, em ambos os casos desafiando a ordem imposta por Salazar. Foi militante do PCP e afastou-se perante os sombrios ventos de leste, mas nunca deixou de manter pontes com a oposição comunista ao regime. Fez-se advogado e notabilizou-se por defender presos políticos, sendo mais uma vez preso por causa disso em 1965. Escreveu para a revista “O Tempo e o Modo”, e conviveu ao longo de décadas com todos os grandes intelectuais portugueses, académicos, escritores e investigadores. Esteve envolvido na revolta conspirativa da Sé, fundou a Resistência Repúblicana e Socialista em 1953 e a Acção Socialista Popular em 1964 em Genebra. Redigiu o Programa para a Democratização da República, foi candidato a deputado pela Oposição Democrática em 1965 e pela CEUD em 1969. Em 1970 fruto da sua participação no Congresso Republicano de Aveiro, o regime força-o ao exílio definitivo em França, donde publica o famoso livro “Portugal Amordaçado”, o primeiro entre os mais de 100 títulos que editou até à sua morte, e em 1973 foi um dos fundadores do Partido Socialista na Alemanha.
A 25 de Abril de 1974, um golpe militar de jovens capitães põe finalmente fim à mais longa ditadura da Europa ocidental, acabando com um regime que já durava há 48 anos, e Mário Soares então com 49 anos de idade chega a Portugal de comboio, para uma semana depois já estar a percorrer todas as capitais democráticas europeias, para apresentar o modelo de transição democrática decorrente do golpe, e obter o seu apoio.
Apoio esse que conseguiu, e ao qual aliou importantes investimentos que resultaram da sua acção, das ligações da Internacional Socialista, e de uma relação especial com a então República Federal Alemã, de que resultou a instalação em Portugal da fábrica Auto-Europa, empresa de grande sucesso ainda hoje sediada em Portugal. Como Ministro dos Negócios Estrangeiros teve um papel fundamental no reconhecimento internacional da jovem democracia, resistiu às tentações totalitárias do PREC, foi o rosto da alternativa democrática ao bloco do leste organizando algumas das maiores manifestações do século na Alameda D. Afonso Henriques em Lisboa e no antigo Estádio das Antas no Porto, e foi também o principal impulsionador da adesão de Portugal à então denominada CEE, cujo tratado viria a assinar em 12 de Junho de 1985. O resto do seu legado é já por demais conhecido.
Dito isto, é pois tempo de afirmar que se há uma personalidade que pode personificar politicamente o actual regime democrático em Portugal, essa personalidade é indubitavelmente Mário Soares, verdadeiro "patriarca" desta República, ao protagonizar todas as grandes etapas da transição e consolidação democrática: a militância contra a longa ditadura do chamado Estado Novo; a revolução do 25 de abril; a democratização e a descolonização; a luta pela democracia constitucional; a consolidação da democracia parlamentar contra as tentações presidencialistas e caudilhistas; e acima de tudo o seu porfiado empenho na adesão de Portugal ao processo de integração europeia.
Resta afirmar, que há pessoas que nasceram para não correrem riscos, que não fazem nada, que não sentem nada, que não mudam, que não crescem, que não amam, que não vivem e que apenas se limitam ao politicamente correcto. Essas, são pessoas acorrentadas às suas atitudes que se deixam privar do que de melhor a liberdade lhes oferece – a Liberdade.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!... Mário Soares foi livre até à sua morte.
São pois estes grandes Homens que moldam a História, e Portugal deve estar-lhe grato por isso. Soares foi um deles, e por isso aqui lhe deixo, o meu reconhecimento pessoal.

Domingos Chaves

Crónica publicada no jornal quinzenário Noticias de Barroso 

de 16 de Janeiro 2017

18 janeiro, 2017

- O MUNDO OBSCENO EM QUE VIVEMOS!...

“Olho, olho e só vejo negrura à minha volta. Fé!... Evidentemente... Enquanto há vida há esperança—lá diz o outro. Mas francamente: fé em quê?!... Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores e os degrada cinicamente sem qualquer estremecimento da consciência?!...
Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir”.
                                      (Miguel Torga)

O Relatório da Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief , ou seja, o Comité de Oxford de Combate à Fome) ontem publicado, dá-nos a conhecer dados absolutamente chocantes e pornográficos. Veja-se só: oito homens –  Bill Gates, Amancio Ortega fundador da Inditex e dono da Zara, o investidor Warren Buffett, o magnata mexicano Carlos Slim, o chefe da Amazon Jeff Bezos, Mark Zuckerberg do Facebook, Larry Ellison da Oracle e o ex-governador de Nova York Michael Bloomberg - apenas oito homens, têm tanto dinheiro como a metade mais pobre do planeta.

Entre 1998 e 2011, os rendimentos dos mais pobres subiram três dólares por ano, enquanto o rendimento dos 1% mais ricos aumentou 182 vezes; nos últimos trinta anos, o crescimento dos rendimentos dos 50% mais pobres foi zero; em contrapartida o dos 1% mais ricos foi mais de 300%, e veja-se só, o homem mais rico do Vietname, ganha mais num dia, do que o mais pobre em dez anos.

Para termos uma ideia mais clara da dinâmica real que sustenta o cliché dos “ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”, basta reparar no seguinte:
Em 2013 eram precisos mais de 300 dos mais ricos para igualar o rendimento da metade mais pobre do mundo;
No ano seguinte em 2014, esse número baixou para metade;
E em 2015 baixou para 62.


Agora, conhecidos que são os dados de 2016, são precisos apenas 8 pessoas, para igualar o rendimento da metade mais pobre do mundo. Uma monstruosidade…
Hoje, começa o forum de Davos!... Devia começar exactamente pela leitura deste Relatório, mas não é por aí que com toda a certeza que tal irá ocorrer. O mais provável é que nem sequer alguém fale destes números obscenos. Fazem porém mal!... Bem pode por isso pregar o Papa Francisco, na sua luta contra as injustiças no mundo.

Um mundo que a continuar assim se tornará insustentável e que com toda a certeza não vai acabar bem.

09 janeiro, 2017

O MEU ELOGIO A UM DOS GRANDES VULTOS DA DEMOCRACIA

O maior elogio que posso fazer a Mário Soares é aquele que poucos farão por estes dias, em que a canonização simula consensos que nunca existiram: ele está entre as figuras mais odiadas e mais amadas deste País, como sempre acontece aos políticos que fazem escolhas difíceis. E as escolhas que Soares fez, que lhe garantiram sempre novos inimigos, marcam a História de Portugal nos últimos 50 anos.
Soares escolheu o combate ao fascismo e os saudosistas não o suportam. Escolheu a descolonização e os retornados odeiam-no. Escolheu a social-democracia e a UE e os comunistas não lhe perdoam. E cada escolha sua deixou tanto ressentimento por ser quase sempre decisiva para o que somos hoje. Tem a sua quota-parte de culpa em tudo o que de bom e de mau nos aconteceu desde o 25 de Abril. Essa é a qualidade que ninguém lhe pode tirar: não é inocente de nada. Felizmente, porque não há maiores inúteis do que os políticos que se banham nas águas puras das ideias e morrem sem culpa nem obra.
Com o papel que teve na nossa história, Mário Soares nunca se pôde dar ao luxo da coerência absoluta e da mera declaração de princípios!... Isso é para os homens de religião. O seu percurso, as suas lealdades, até as suas convicções foram muitas vezes sinuosas, tendo apenas a democracia como único valor constante, o que não é pouco.
Houve o Soares da austeridade de 1983 e o que combateu a austeridade de 2011; o que meteu o socialismo na gaveta e o que tirou já na velhice o radicalismo do armário; o que escolheu o lado dos EUA na Guerra Fria e se manifestou contra os EUA na guerra do Iraque; o que se abraçou a Cunhal no Aeroporto da Portela e combateu Cunhal na Fonte Luminosa; o que fez dupla com Zenha e enfrentou Zenha; o que foi amigo de Manuel Alegre e conspirou contra Alegre; e o que foi desleal com os amigos de sempre e o que levou a lealdade para lá do limite da sanidade na prisão de Sócrates. E não foi apenas porque a realidade mudou e só os burros não mudam, foi isso sim, porque Soares sempre foi mais pragmático do que ideológico.
Enquanto o corpo deixou, Soares manteve-se em cena, sem nunca deixar que o transformassem numa figura de museu. Acreditou que todo o tempo de vida era o seu tempo. Na sua reeleição para Belém em 1991, tinha conseguido 70% dos votos. Era o pai querido da Nação, principal referência política e moral da democracia portuguesa. Mas com 80 anos, não teve medo de descer de um pedestal com que poucos poderiam sonhar para se candidatar de novo à Presidência.
A política que reencontrou era porém muito diferente, com uma comunicação social muito mais agressiva do que no passado e um escrutínio muito mais apertado. Este já não era, afinal, o seu tempo.
Não vou fingir que venho do lado de onde vem Soares. Não me revia no que na sua vida foi excesso de táctica e intuição e pouco de estratégia e convicção ou no vício da política, que valeu sempre mais do que a própria política.
Mas tenho por Soares a admiração que se tem por quem foi intransigente na defesa da democracia e nunca quis ser uma estátua de si mesmo, mesmo quando a estátua que estava encomendada e que lhe era totalmente devida, era do pai fundador da nossa democracia.
Como todas as contradições e erros que se exigem a quem faz questão de deixar uma marca da sua passagem pela vida, Soares mudou Portugal. E mudou-o para melhor. Agora sim, podemos erguer a estátua.

08 janeiro, 2017

- MÁRIO SOARES (1924–2017) VIDA CUMPRIDA!...

Mário Soares faleceu esta tarde no Hospital da Cruz Vermelha em Lisboa com 92 anos de idade e o nosso país está de luto. Portugal perdeu um homem que marcou o nosso século XX e que é um dos símbolos da nossa Democracia.
Desde muito jovem que Mário Soares lutou corajosamente contra a Ditadura e por isso foi preso, deportado e conheceu o exílio, tendo sido nessa altura que fundou o Partido Socialista. Regressou a Portugal depois do 25 de Abril de 1974 e tornou-se uma figura de referência nacional, vindo a ser deputado, ministro, primeiro-ministro, Presidente da República e eurodeputado.
Portugal deve muito a este antigo Presidente da República Portuguesa, porque o seu prestígio pessoal e político a nível internacional foram um passaporte necessário para a entrada numa Europa desconfiada do que se passava em Portugal e que saíra há pouco tempo de um regime opressivo e ditatorial.
Como todos os políticos, Mário Soares não recolheu o apoio unânime dos portugueses mas todos lhe reconhecem um protagonismo decisivo na consolidação do regime democrático, na integração política e social, na Europa e na intransigente defesa da Liberdade.
As suas qualidades de coragem, de tenacidade e de persistência foram exemplares, assim como os seus valores cívicos e culturais.
As instituições não deixarão por isso de lhe prestar as homenagens que são devidas a Mário Soares, um símbolo da Liberdade e uma das mais importantes personagens do século XX português, que a Europa e o mundo admiravam.
As circunstâncias fazem mais pelos homens do que estes fazem por elas, mas são os homens - e mulheres - de excepção, que moldam o futuro e marcam a História. Aqui lhe deixo por isso o meu tributo.