19 dezembro, 2014

A PRIVATIZAÇÃO DA TAP E O MEMORANDO DA TRÓIKA!...

Para quem não sofra de iliteracia nem esteja de má-fé, o que está escrito sobre a TAP no Memorando inicial da “troika”, não permite duas interpretações: não está lá nenhum compromisso de privatização total da TAP, ao contrário do previsto para a EDP e a REN.
Convém esclarecer, que o acordo com a “tróika” foi vertido em dois documentos distintos mas coerentes: um dirigido à Comissão Europeia e outro dirigido ao FMI. O primeiro refere as privatizações no ponto 3.31 - páginas 14 da versão portuguesa e 45 da versão inglesa - e o segundo refere-as no ponto 17 - páginas 7 da versão portuguesa e 8 da inglesa. Contudo, todas as versões, em inglês ou português, são, no que se refere à TAP, substancialmente iguais e não consentem qualquer margem de interpretação. Todos os textos são igualmente claros e todos dizem rigorosamente o mesmo.

Tomemos o documento base do acordo, que é o Memorando dirigido à Comissão Europeia. O texto começa por assumir um compromisso genérico de calendário, ao dizer que o Governo "acelerará" o programa de privatizações. Depois, recorda o plano de privatizações já existente, mencionando para o que aqui interessa, que esse plano abrange a TAP, mas apenas prevê a alienação parcial – sem especificar percentagens - de "todas" as empresas de maior dimensão.
Até aqui, portanto nenhuma novidade!... Apenas a descrição do programa de privatizações previsto desde Março de 2010 no PEC I 2010-2013 e reafirmado no Relatório do Orçamento para 2011 - o chamado PEC III - já que as medidas adicionais adoptadas na sequência da crise grega em Maio de 2010, a que se convencionou chamar PEC II, são omissas sobre a matéria.
Ora, basta consultar os quadros sobre privatizações constantes desses documentos - páginas 36 do PEC I e 165 do Relatório Orçamento Estado 2011 - para que não possam restar quaisquer dúvidas: a TAP aparece sempre na lista das empresas a submeter a uma mera alienação PARCIAL, sem nunca – reafirma-se – especificar qualquer percentagem da alienação. E esta intenção manteve-se no PEC IV, que igualmente nunca se referiu à percentagem das privatizações mas apenas ao respectivo calendário.

As únicas novidades do Memorando da “tróika” em matéria de privatizações, em que de facto se vai além do plano até então existente, são as que o texto refere a seguir, e cito: "O Governo compromete-se a ir ainda mais longe, prosseguindo uma alienação acelerada da TOTALIDADE das acções na EDP e na REN, e TEM A EXPECTATIVA que as condições do mercado venham a permitir a venda destas duas empresas, bem como da TAP, até ao final de 2011". Temos aqui, claramente, duas afirmações diferentes: a primeira, refere-se à percentagem das privatizações e apenas contém um compromisso de alienação total para os casos da EDP e da REN; a segunda, refere-se EXCLUSIVAMENTE AO CALENDÁRIO e é a esse propósito, que surge uma menção à TAP, na medida em que se exprime a expectativa de que as condições do mercado permitam concretizar até ao final de 2011 as operações previstas de venda não apenas da EDP e da REN mas também da TAP.
É exactamente porque não se quis aplicar à TAP o compromisso de alienação total que a redacção do Memorando é aquela que é, separando e distinguindo a referência à TAP da que é feita às empresas do sector energético. Como é óbvio, se a intenção fosse aquela que Passos Coelho e Marco António Costa pretendem, essa distinção não teria razão de ser e o texto diria simplesmente: "O Governo compromete-se a ir ainda mais longe, prosseguindo uma alienação acelerada da totalidade das acções na EDP, na REN e na TAP, e tem a expectativa que as condições de mercado venham a permitir a venda destas três empresas até ao final de 2011". Mas não é isso que lá está. E por uma razão simples: o propósito de venda total não se aplicava à TAP. A única coisa que se tornou comum à privatização das três empresas foi o calendário expectável das respectivas e diferentes operações de venda.

É precisamente por não impor a alienação total da TAP (e, como se viu, não pode haver duas interpretações sobre isso) que só se pode concluir que o Memorando não alterou - e portanto manteve - o plano de privatizações existente na parte em que previa a venda apenas parcial da TAP. Será que isto oferece alguma dúvida?!...

12 dezembro, 2014

MÁRIO SOARES!... 90 ANOS DE "ESTÓRIAS"!...

Não sou hipócrita!... Por razões profissionais, cruzei-me algumas vezes com Mário Soares. Nunca me convenceu como pessoa e tenho do mesmo nos tempos que correm, a mesma ideia que tinha há 30 anos. Apesar disso, tal não me impede de o admirar enquanto politico. A afectividade, nada tem a ver com o desempenho e a competência de cada um!... Esse, foi e será sempre o meu lema. E não digo isto por acaso. Digo-o, para lembrar aos “pobres e mal agradecidos”, e a outros “acorrentados às suas atitudes e até nalguns casos às suas paranóias”, que mesmo não se gostando da sua figura, possivelmente já terão esquecido que foi o "radicalismo político" de Mário Soares, que os salvou durante o PREC, quando já lhes havia sido destinada uma árvore com uma corda pendurada com o respectivo nome escrito.
É pois perante estes factos, que apenas a demência poderá contrariar, que prefiro estar do lado certo da História e deixar “os broncos” que por aí pululam com acusações e insultos em caixas de comentários, entregues aos seus sintomas da degradação dos tempos que vivemos.
Politicamente, Soares é ainda hoje um gigante, senão o maior de todos!... A sua coragem política e física assume proporções épicas...
Filho de um republicano e Ministro da Primeira República, que deixou até hoje um importante legado na pedagogia e no ensino - o Colégio da família foi uma ilharga de pensamento livre durante a longa noite da ditadura -, Soares tem actividade política conhecida desde os 14 anos.
No longínquo ano de 1943, quando a Europa ainda estava ocupada pelos nazis, integrou o Movimento de Unidade Anti-Fascista, o MUNAF. Dois anos depois fundou o MUD juvenil e foi preso pela PIDE. Sê-lo-ia ainda mais 12 vezes antes de ser deportado para São Tomé E Principe, passando longos períodos encarcerado e afastado da família, enquanto outros tratavam da sua vida, sem se importarem de hipotecar a sua própria consciência -se é que a tinham.
Apoiou o general Norton de Matos em 1949 e o general Humberto Delgado em 1958, ambos desafiando a ordem imposta por Salazar. Foi militante do PCP e afastou-se perante os sombrios ventos de leste, mas nunca deixou de manter pontes com a oposição comunista ao regime, que alguns menosprezam e que foi também ela heróica.
Fez-se advogado e notabilizou-se por defender presos políticos, mas também a viúva do general Humberto Delgado, assassinado a tiro pela polícia política, sendo outra vez preso por causa disso, em 1965. Escreveu para a revista «O Tempo e o Modo» e conviveu ao longo de décadas com todos os grandes intelectuais portugueses, académicos, escritores e investigadores.
Esteve envolvido na revolta conspirativa da Sé, fundou a Resistência Republica e Socialista em 1953 e a Acção Socialista Popular em 1964 em Genebra, com Tito de Morais e Ramos da Costa. Redigiu o Programa para a Democratização da República, foi candidato a deputado pela Oposição Democrática em 1965 e pela CEUD em 1969. No entretanto foi preso e deportado sem julgamento para São Tomé em 1968, mas em 1969 já está a participar no Congresso Republicano de Aveiro.
O regime força-o ao exílio definitivo em França em 1970, de onde publica o famoso «Portugal Amordaçado», um entre mais de 100 títulos que editou até hoje. Em 1973 é um dos fundadores do Partido Socialista em Bad Münstereifel, na Alemanha. Antecipou sempre o rumo dos acontecimentos e defendeu a criação de um partido democrático organizado para intervir após a queda do regime ditatorial, que considerava iminente. No final de 1973, há um encontro em Paris entre delegações do PCP e do PS no exílio para concertação de posições.

A 25 de Abril de 1974, um golpe militar de jovens capitães põe fim à mais longa ditadura da Europa ocidental, acabando um regime que já durava há 48 anos. Mário Soares tem 49 anos. Chega a Portugal de comboio para a libertação democrática e uma semana depois já está a percorrer todas as capitais democráticas europeias para apresentar o modelo de transição democrática e obter o seu apoio.
Apoio esse que conseguiu, ao qual aliou importantes investimentos que resultaram da sua acção e das ligações da Internacional Socialista e de uma relação especial com a então República Federal Alemã, incluindo aquilo que viríamos a conhecer como a fábrica Auto-Europa, empresa de sucesso ainda hoje sediada em Portugal e que resultou de uma decisão política sua.
Como Ministro dos Negócios Estrangeiros teve um papel fundamental no reconhecimento internacional da jovem democracia. Resistiu às tentações totalitárias do PREC e foi o rosto da alternativa democrática ao bloco do leste, organizando algumas das maiores manifestações do século, na Alameda em Lisboa e no Estádio das Antas no Porto. Quando tudo parecia perdido e Kissinger achava que Soares seria um novo Kerensky, ele voltou a triunfar.
Foi o principal político da consolidação democrática, e percebendo outra vez o rumo da história, lançou a campanha «Europa connosco» e assinou o tratado de adesão à CEE em 1985.
Um ano depois, com as sondagens a darem-lhe 8% dos votos, candidata-se à Presidência da República e triunfa contra Freitas do Amaral. Foi o primeiro Presidente da República civil do pós-25 de Abril e o mais importante para preservar o equilíbrio constitucional. Com o remanescente das contribuições para a sua campanha, cria uma Fundação com um importantíssimo papel intelectual e académico, sobretudo na investigação sobre história contemporânea.

Depois disso foi eurodeputado e em 2006 candidatou-se novamente à Presidência da República, que serviu essencialmente como factor agregador da jovem geração de dirigentes do Partido Socialista. Ao longo dos seus 90 anos, Soares privou com os maiores vultos do Socialismo Democrático e da Europa do pós-Guerra, aquela que os finançólogos destruíram com o seu zelo dogmático, obsessão com estatísticas e previsões falhadas.
Soares, ao invés, orgulha-se de nunca ter lido um dossier completo e nunca deve ter olhado para um excel: é um político sem a tecnocracia que nos rouba a alma, um político de opções claras e convicções firmes, e é isso que se espera de um político. Ao contrário do que alguns profetizam, é um patriota. Deve sofrer como poucos com estes pigmeus que nos colocaram de cócoras e que falam de uma política pastosa, estrita, sem rasgo e sem sonho, que nos mata lentamente.
Soares sempre foi também um hedonista, amante das coisas boas da vida, e isso também faz muita falta a muitos dos sombrios políticos que hoje nos tutelam. Hoje, aos 90 anos, alguns queriam silenciá-lo e acusam-no de estar velho, ao que parece uma doença das sociedades modernas. O seu amor à liberdade é indissociável dessa combatividade que nos alimenta, e como sempre, a história fará justiça às suas críticas ferozes ao sistema capitalista actual e à capitulação dos socialistas na Europa.
Há pessoas que nasceram para não correrem riscos!... Que não fazem nada, que não sentem nada, não mudam, não crescem, não amam, não vivem e se limitam ao politicamente correcto. Essas são pessoas acorrentadas às suas atitudes e se deixam privar do que de melhor a liberdade lhes oferece.
Somente a pessoa que corre riscos é livre!... Soares, ainda hoje aos 90 anos, não deixa os seus créditos por mãos alheias. É um Homem livre!... “Diz-lhes tudo nas trombas”...

06 dezembro, 2014

A JUSTIÇA NA ÉPOCA MEDIEVAL E NA ERA DA ALDEIA GLOBAL DO SÉCULO XXI!...

Quem ler este texto poderá associá-lo de imediato ao caso Sócrates. Mas não!... Deve ser associado isso sim, a todos os casos que têm vindo a público nos últimos anos, de modo a fazer um exercício de analogia entre a mediatização da justiça no final da Idade Média, e a do século XXI.
Na Idade Média, a aplicação da justiça e os autos de fé inquisitoriais eram espectáculo, e objecto de encenação. A justiça medieval era executada publicamente junto ao pelourinho, com assistência do povo que gritava, ululava e apupava as vitimas. e não raro, aplicava-a pelas próprias mãos, através de apedrejamentos e outras torturas da época. Ainda hoje, mulheres e homens são apedrejados até à morte segundo a lei islâmica, também ela medieval.
Os numerosos pelourinhos símbolo da justiça medieval que ainda hoje existem como monumentos históricos, surgem no século XVII, posteriores à época manuelina, já lá vão mais de 400 anos. O pelourinho, era o lugar público de uma cidade ou vila onde muitas vezes se puniam e expunham os criminosos julgados, algumas vezes sumariamente.
Na era das tecnologias da informação e da comunicação, os órgãos da comunicação social tem-se encarregado de substituir os pelourinhos, concentrando as atenções não apenas num espaço circunscrito de uma vila ou de uma cidade, mas ao nível de um país. Mesmo antes de haver qualquer acusação ou julgamento, a condenação pública fáz-se sem dó nem piedade.
Nos dias que correm, fruto “sabe-se lá do quê”, fazem-se e promovem-se julgamentos nos pelourinhos da comunicação social e as fugas de informação são intermináveis. Na época medieval, a fuga de informação era promovida pelos arautos que levavam às populações a notícia do “espectáculo” da aplicação da pena, funcionando como comunicação social da época. Tradicionais boateiros e mensageiros percorriam aldeias, vilas e cidades para darem as notícias que não raras vezes eram alteradas e ampliadas por transmissão verbal oral sucessiva, de modo a chegarem ao destino final, com um ruído comunicacional que nada tinha a ver com a ocorrência real do facto.
No século XVII Pascal disse que "o afecto ou o ódio mudam a face da justiça". Hoje confirma-se este pensamento e pode acrescentar-se que potencialmente, a comunicação social pretende mudar a face da justiça face ao exterior para a poder influenciar.

Na era da comunicação, há os que clandestinamente veiculam as informações, para os mensageiros as poderem colocar na praça pública, através de grandes encenações de espectáculo informativo. São uma espécie de autos de fé medievais ao sabor da aldeia global.