03 maio, 2021

E… MONTALEGRE DISSE SIM À LIBERDADE!...

Em tempos em que múltiplas formas de esquecimento vão fazendo estranhos caminhos; em tempos em que saudosistas de um tempo que não viveram nem estudaram para justificar a mínima saudade; em tempos que escritores de peças de “ficção” não hesitam em assumir como verdades sem direito a contraditório ou mesmo julgamento tudo quanto despejam nas redes da desonra e se recusam a aceitar o óbvio, Montalegre comemorou Abril. E comemorou Abril, escrevendo em caixa bem alta, o número do dia, o nome do mês, e o nome de quantos no concelho também contribuíram para uma primavera que resgatou um país de meio século de ditadura, e de um obscurantismo do qual apenas uns quantos terão real saudade.

À medida que a memória dessa madrugada de 25 de Abril de 1974 se vai dissipando e agora que caminhamos para o meio século da revolução, é preciso por isso clamar pelo insubstituível papel dessa memória que nos deve recordar diariamente o preço da liberdade. E Montalegre fê-lo ao enumerá-lo. Um preço, que custou prisões, tortura e morte a milhares de homens e mulheres vitimas de perseguição, da censura ou de qualquer forma de arte ou manifestação pública. Não foi por isso por acaso que a minha terra o fez e louvou os filhos da terra!... Sim, aqueles que resistiram ao medo de fazer, de dizer e de escrever, ou seja, o tal medo que toldava. Perguntem por isso por aí a quem tem a memória vívida desses tempos e lugares como era; e já agora, perguntem também como funcionava esse medo perene!... Ninguém tenha receio de perguntar pela pobreza endémica que por aqui grassava; pelas grandes vagas de emigração para fugir ao destino de um concelho que pouco mais tinha para lhes oferecer do que a pobreza, ou um horizonte que acabava na extremidade do cabo de uma enxada onde muitos sonhos se diluíam na longa noite do obscurantismo. Uma pobreza, onde no fim de cada dia, de cada mês e de cada ano, tudo somado resultava em escassez. Pergunte-se pela taxa de analfabetismo, pela teoria do “basta saber ler, escrever e contar”, pergunte-se sobre quem chegava ao ensino superior, pergunte-se pelos cuidados de saúde, pergunte-se tudo isso e sem receio, para avivar memórias. E se sobrarem dúvidas, que se vá aos arquivos e se comparem os indicadores económicos e sociais dos tempos de então e dos nossos dias. Ninguém nos procure por isso convencer, que “antigamente é que era bom”!... Não, não era – antigamente era tudo mau, salvando-se apenas a honra de gente amordaçada, que hoje muitos perderam…

Sabe bem por isso viver em liberdade, como se fosse um estado absolutamente natural!... O regime democrático e as diferentes latitudes que a palavra “liberdade” nos concede, foram conquistas, e estas só se mantêm se as soubermos preservar, alimentando-as com sentido comum e defendendo-as contra as ameaças. Ameaças, que não são apenas as que vêm dos gritos de saudosistas de ocasião, mas também de outros que dia a dia através de bem urdidas campanhas “anti-regime”, se aproveitam dos mecanismos da democracia para a corroer. É assim no país, e é assim também na nossa terra. Mas para esses, só há uma palavra - esqueçam!... Contra a liberdade e a democracia, não há “escola” de mandarins e de tiranetes de opereta que possa condicionar uma comunidade. A verdade é “filha do tempo” e de Abril não ficou apenas o mês e o dia da revolução. Dessa data, ficou todo um legado que o país e o concelho tem sabido honrar.

É claro, que não vivemos no melhor dos mundos e há ainda muito caminho a percorrer, mas não troquemos as sementes do nosso jardim por uma qualquer erva daninha, que se propõe fazer milagres, contando com o “ovo no cú da galinha”.

(Texto escrito segundo a antiga ortografia).