27 fevereiro, 2021

- O RESCALDO DAS PRESIDÊNCIAIS…

O país votou contra tudo – mas votou!... Votou contra a pandemia, contra as condições climatéricas - mas não votou contra todos. Não votou em massa e a abstenção atingiu até um novo recorde, agora a situar-se nos 60.5%, mesmo assim, aquém do que seria de esperar. Não vale a pena por isso especular com a abstenção técnica, mesmo que não se possa deixar de ter em atenção que o considerável aumento da mortalidade no último ano a deva ter feito subir. Isto apesar de valer ainda a pena lembrar, que havia mais milhão e meio de inscritos fora do país, e acima de tudo, que com a pandemia, com o mau tempo, com uma vitória antecipadamente ganha e numa reeleição, poderia ter sido ainda pior.

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou!... E ganhou, como se sabia que ganharia. Ainda assim, ganhou mais claramente do que se admitia que ganhasse. Aumentou a sua votação, teve mais votos que na eleição para o primeiro mandato, e se não atingiu o recorde que se dizia que perseguia – o de Mário Soares, é coisa de somenos importância. E ganhou de tal maneira, que houve derrotas para todos os gostos, mesmo tendo em conta e é histórico, que em noites eleitorais em Portugal ninguém perde. Ganham sempre todos. E desta vez até ganhou quem não foi a eleições, como foi o caso de Rui Rio e do “menino” Francisco Rodrigo dos Santos, que ainda não perceberam o que lhes está a acontecer.

Dito isto e na tão aguardada disputa pelo segundo lugar, Ana Gomes ganhou a André Ventura, o que significa, que se aquilo que o homem diz fosse para levar a sério, a esta hora já teria abandonado a liderança do seu Partido em vez de se transformar num habilidoso encenador. Porém e como já toda a gente sabe qual é o valor da sua palavra e das linhas com que se coze, tirou da cartola o coelho que já se sabia antecipadamente que iria tirar – os populistas são mesmo assim. Não tem outra classificação e a sua postura está já mais que gasta, mesmo com tão pouco tempo de serviço. Inegável porém, é que chegou ao dois dígitos com 11,90% dos votos e alterou profundamente o espaço eleitoral da Direita democrática. Pouco importa donde vêm esses votos, embora se saiba que virão de diversas origens!... Umas supostamente identificáveis na expressão eleitoral em Distritos como Setúbal, Évora ou Beja, e outras nas de Bragança, Vila Real ou Guarda. Importa é que existem e que estão aí. Votos, que não são apenas um problema para o PSD cada vez mais emagrecido, e para o CDS que já desapareceu. São um problema para o país e para o regime, que PS e PSD em vez de cuidarem, vêm deixando esgotar ao longo do tempo.

Percebeu-se isso nos discursos que encerraram a noite eleitoral!... No discurso oportunista e grosseiro, mas apoteótico de Ventura e no discurso de Estado, mas preocupado e até resignado, do Presidente reeleito. Em jeito de conclusão, estamos assim perante um Presidente que ganhou de forma indubitável, talvez aquém dos seus desejos como se disse, muito embora a sua legitimidade não se discuta. Fez um excelente discurso de vitória, bem elaborado na forma e no conteúdo, embora algo excessivo no pendor presidencialista num regime parlamentar. Um Presidente eleito pelo Bloco Central, mas que se afirma como Presidente de todos os portugueses e por isso merece os parabéns. Mas para além de Marcelo, António Costa, foi também o “grande vencedor” da jornada!... Mostrou contra a opinião de muitos dos seus apoiantes e com a argúcia que o caracteriza, que o apoio que deu a Marcelo, embora pessoal, antecipando-se a PSD e CDS não foi por acaso. Marcelo sabe que sem ele, as coisas não teriam sido assim tão fáceis e Costa sabe também que “desbravado o caminho com eventuais recandidaturas que se intrometessem entre ambos”, as portas para 2026 ficam abertas.

Uma palavra de louvor para Ana Gomes!... Foi útil para evitar o valor simbólico do segundo candidato mais votado numa eleição onde apenas há um vencedor. Prestou um excelente serviço à democracia, embora uma eventual recandidatura se preveja não ter “pernas para andar” - o cerco está montado. Quanto a Marisa Matias, pagou a factura como era já de esperar, como consequência da sanha persecutória do Bloco de Esquerda à ida de Mário Centeno para o Banco de Portugal e sobretudo a imponderação do voto contra o OE-2021, em clima de ansiedade generalizada, precipitando o abismo que se abriria em período de pandemia, quando o recurso a eleições era impossível e o Governo de gestão agravaria a tragédia. Valeu então a maturidade politica do PCP, que ainda assim não viria a ser premiado. Os resultados obtidos por João Ferreira – que fez uma excelente campanha – principalmente em Setúbal, Évora e Beja, terão de ser objecto de muita reflexão…

(Crónica para o jornal Planalto Barrosão de 1 de Fevereiro)

Texto escrito segundo a antiga ortografia