“O direito de defesa está acima do segredo de justiça. O direito de defesa deve prevalecer ante o segredo. Não tem que submeter-se à publicidade de factos oriundos da violação de segredo. Nem às imputações públicas que lhe atribuem o cometimento de crimes. Não se pode coartar a liberdade de imprensa. Nem a dos arguidos. Liberdade e honra são muito mais relevantes que o segredo”.
Alberto Pinto Nogueira
Procurador-Geral Adjunto
No dia 22 de Novembro do último ano, quando Sócrates foi preso no Aeroporto de Lisboa, envolto naquele aparato televisivo e jornalistico nunca visto em democracia, perguntei a mim próprio: “será que voltamos ao tempo da outra senhora”?!... É evidente que não, muito embora ditadores e pseudo-justicialistas sejam coisas que não faltem por aí...
Hoje, continuo a subscrever o que então disse para comigo!... Só não podia era imaginar, que 55 dias depois daquela que considero uma verdadeira “trapalhada justiceira”, os magistrados que ordenaram a prisão preventiva do ex.Primeiro-Ministro, com base em CONJECTURAS IMPROVADAS, não só não tenham ainda formulado qualquer acusação, como PRETENDAM AMORDAÇAR o preso a todo o custo, para que este não se possa defender publicamente, segundo ele, das calúnias que esses mesmos magistrados deixam sistematicamente passar para o espaço público.
Ora isto, num Estado de Direito - e porque estamos na presença de um preso preventivo - para além de intolerável e de ferir principios constitucionais que qualquer cidadão tem o inalienável direito de combater pelos meios ao seu alcance, contradiz na sua essência um velho provérbio popular, que refere "que tudo o que é demais é moléstia", o que quer dizer, que quando a moléstia se instala, ela tem que ser debelada com firmeza, sob pena de potenciar a decomposição do paciente.
Assim sendo, e chegados então aqui, aquilo que se me oferece dizer, é que a tal "trapalhada justiceira entrou a perder"!... Em primeiro lugar, porque “o tempo da ditadura já lá vai, mesmo dando de barato que os tais ditadores e pseudo-justicialistas não faltam por aí. E em segundo, porque canalhices deste tipo de procedimento da organização judicial, refira-se ela a Sócrates ou a qualquer outro cidadão sem culpa formada, só é comparável às patifarias da miserável PIDE, que foi sempre acolitada por magistrados e censores sem vergonha, isto é, ditadores no sentido puro da palavra.
Como muito bem referiu ontem Mário Soares durante o lançamento de mais um livro, isto já não é uma democracia!... Se o fosse - direi eu, haveria respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, que obrigatoriamente devem prevalecer num Estado, que se diz de Direito.
Temos portanto, que a massa humana de que em Portugal se fez o salazarismo, a PIDE, os Tribunais Plenários e a Censura "reincarnaram", e os seus comportamentos, não sendo iguais, são porém muito idênticos. Os tempos são efectivamente outros, mas a canalha é a mesma, senão pior do que a que pariu e sustentou o salazarismo. E não me estou a referir a folclóricos de “cabeça rapada”!... Estou a referir-me a determinados agentes da justiça, a comentadores servilistas do sistema, a catedráticos do Direito e até mesmo à massa de imbecis e hipócritas que apedeutamente os aplaudem, e pululam por aí deixando caír a máscara que cobardemente e durante anos a fio usaram a contra-gosto.
Quando se ouve entre a convicção e a boçalidade, que – como no caso em apreço – “o tempo de prisão preventiva já ninguém lho tira”, apercebemo-nos que os “resquícios ditatoriais”, continuam bem enraízados no argumentário judiciário e na mente daqueles que tendo uma visão maniqueísta do mundo, julgando e tentando fazer crer, que de um lado estão pessoas a que chamam de “esquerda” - gente do piorio, uns safados – e do outro, toda a “sua direita política” - que são pessoas de bem, honradas e trabalhadoras, está tudo dito.
Esses, são os tais que se acham donos da verdade, e quem discorda dela e lhe desmonta os infantis e falaciosos argumentos, não passam de perigosos “agitadores marxistas”, mas que quando “cercados na sua argumentação”, ou não contra-argumentam, ou argumentam com citações, clichés ou jargões que desenterram dos baús, e os despojam por tudo quanto é sitio, criando verdadeiras "estrumeiras" de ignorãncia.
Perante o que ultimamente se vem passando na sociedade portuguesa, os portugueses terão que estar muito atentos!... Caso contrário, essa gente fará jus ao seu propósito e não se inibirá de “tomar o pote" da justiça, contando para o efeito como é óbvio, com o poder da desinformação que sustentam, e da respectiva instrumentalização dos cidadãos.
É evidente que não vão formar nenhuma junta de botas ferradas, nem nenhum governo de camisas negras e muito menos fazer a saudação de pata estendida, ou fazer paradas no Terreiro do Paço. Presumo contudo, que tudo farão, para usar toda a sua influência de forma a permitir a parasitagem de todo o aparelho constitucional da Democracia.
Para terminar e para reflexão e análise entre o passado e o presente, deixo-vos com um texto de Irene Pimentel sobre a prisão preventiva e as medidas de segurança antes de 1974, e que deveria ser objecto de estudo na escola que nas últimas décadas tem produzido juízes e procuradores - o Centro de Estudos Judiciários.
Não havendo uma razão directa e imediata entre a evolução do direito e o imobilismo da justiça, esta foi sempre presa fácil das razões e das práticas populistas.
Felizmente e para desgosto de alguns, direi com muita satisfação que ainda temos MÁRIO SOARES!...
PRISÃO PREVENTIVA E MEDIDAS DE SEGURANÇA - OS DOIS PODERES DA PIDE/DGS...
A eficácia da PIDE/DGS resultou sobretudo da luta desigual, a seu favor, que travou contra os presos políticos, possibilitada pelos seus poderes – de prisão preventiva e medida de segurança – e pelos seus métodos de “Informação” e “Investigação”. Embora pudesse recorrer a informadores e a métodos de intercepção postal e escuta telefónica sem qualquer fiscalização, a polícia política portuguesa prendia habitualmente para poder “investigar” e, como se sabe, a “investigação” e a instrução do processo, também a cargo dela, era feita com recurso a interrogatórios onde imperavam as torturar e as maiores violências, durante o período “legal” de prisão preventiva. Este, como se verá, era habitualmente de seis meses, nos quais, além dos espancamentos e das torturas da “estátua” e do “sono”, a PIDE utilizava o isolamento total numa cela do preso, sem direito a visitas, livros e instrumentos de escrita
TRÊS LÓGICAS DE ENCARCERAMENTO PRISIONAL
A polícia política em Portugal, durante o regime ditatorial de Salazar e Caetano utilizou assim dois tipos de encarceramento: a prisão preventiva antes do julgamento e a medida de segurança, que acrescia à pena de prisão maior, posterior ao julgamento, sentenciada pelos tribunais plenários. Salvo melhor opinião, por outro lado, a detenção política em Portugal combinou três lógicas: a de afirmação da autoridade; a de carácter correctivo e, finalmente, uma terceira, de neutralização. Com base nessas três lógicas de encarceramento e punição, pode-se dizer que a prisão, inserida no sistema de justiça política existente em Portugal, durante a ditadura, era uma combinação de todas elas, consoante se tratava de lidar com a população, com simpatizantes, militantes de base, compagnons de route do PCP e opositores não comunistas, ou com os dirigentes e funcionários do PCP/grupos e movimento de extrema-esquerda e de luta armada.
Assim, a primeira lógica, de afirmação da autoridade, a sanção tinha carácter dissuasivo, preventivo e de intimidação do indivíduo, face à ameaça do castigo, era utilizado para a população em geral. A “prevenção” passava por instilar o medo, através da difusão de uma imagem de omnipresença e omnipotência da PIDE/DGS, no seio da população e, nesse sentido, essa polícia se apresentou sempre como «preventiva». O certo é que a PIDE e usou e abusou da prisão preventiva, excedendo o seu prazo legal de seis meses. Por exemplo, num universo estudado de cerca de 1.800 presos, apenas cerca de 15% foram julgados dentro desse prazo e houve mesmo alguns, que esperaram, na cadeia, mais de quatro anos, até serem levados a julgamento. Cerca de metade dos presos já estavam detidos durante um período entre mais de seis meses a um ano, um quarto deles, entre 1 a 2 anos, e mais de 10% já havia esperado mais de um ano antes de chegar a tribunal, havendo até alguns que ficaram mais de 4 anos detidos antes de ir a julgamento.
A segunda lógica prisional da PIDE/DGS era reservada aos que tinham sido “momentaneamente transviados” e, através do “susto” da prisão preventiva e correccional, ficariam vacinados para nunca mais terem a ousadia de actuar contra o regime. Num universo estudado de cerca de 7.000 presos estudados, a larga maioria (95,7%) destes só permaneceram detidos durante os seis meses da prisão preventiva, apenas 15% foram levados a julgamento e cerca de 23% dos indivíduos julgados foram absolvidos, amnistiados, soltos ou apenas condenados a multas. Por outro lado, num universo de cerca de 4.000 presos julgados, cerca de 20% foram condenados a penas de prisão correccional até 1 ano de prisão e seis meses.
Mas o facto de, em Portugal, as penas não serem de longa duração, como foi sempre apregoado pelo regime, não deve fazer esquecer que muitos detidos políticos acabaram por ficar muito tempo atrás das grades, devido às medidas de segurança. E Assim, finalmente, chegamos à terceira lógica, de neutralização, tinha como objectivo retirar do espaço público os dirigentes e funcionários dos partidos subversivos, nomeadamente os comunistas, de extrema-esquerda e de organizações de luta armada, através da prisão maior e das medidas de segurança. Cerca de 5,5% dos presos foram condenados a penas de dois anos de prisão maior e, nesse caso, apenas era contada metade do tempo de detenção preventiva cumprida, além de lhes ser habitualmente acrescida uma medida de segurança. Num universo de 12.385 presos, pouco mais de 4% dos detidos foram condenados a medidas de segurança, mas, entre estes, mais de 90% cumpriram entre um ano e três anos de cadeia a mais do que o tempo a que haviam sido condenados por sentença judicial.
A PRISÃO PREVENTIVA
O conceito de prisão preventiva da PIDE/DGS já vinha do tempo da antecessora da PIDE, PVDE, criada em 1933, e era típico dos regimes ditatoriais, de carácter autoritário ou totalitário. Por exemplo, na Alemanha nazi, a partir de 1936, a Gestapo podia decidir a detenção «provisória» de quaisquer suspeitos, internando-os sob «custódia protectora» em campos de concentração à sua guarda. Segundo afirmava a própria Gestapo, a sua função era, sobretudo, de carácter «preventivo», impedindo a actividade «subversiva» antes de ela eclodir. Este conceito de prisão preventiva, como se verá, tanto foi utilizado no totalitarismo alemão como na ditadura de Salazar e Caetano.
Entre 1933 e 1945, na prática, a prisão posterior ao cumprimento da pena, aplicada aos autores de crimes políticos era prolongada indefinidamente com base numa ordem de prisão preventiva, decidida pelo director da PVDE ou do ministro do Interior. Quando a PIDE foi criada, em 1945, conservou da sua antecessora a instrução preparatória dos processos respeitantes aos chamados delitos “políticos” contra a «segurança interna e externa do Estado», ficou com a capacidade de determinar, com quase total independência, o regime de prisão preventiva. A legislação que criou a PIDE visou, assim legalizar o que, na realidade, nunca deixara de ser uma prática constante – e ilegal, dado que nos anos trinta, a preocupação com a legalidade era nenhuma - da PVDE, relativamente à detenção por tempo indeterminado, sem pena, ou para além desta. Deve-se, assim, dizer que, longe de acabar, a partir de 1945, o arbítrio apenas foi coberto com o manto da jurisdição.
O prazo “legal” da prisão preventiva era de três meses, mas a PIDE podia pedir a prorrogação para mais seis meses, ao ministério do Interior, que o concedia sempre., pelo não significava que as arbitrariedades dessa polícia fossem limitadas ou impedidas. A situação do arguido detido, após essa data, era ainda agravada pela inexistência de prazos de prisão preventiva, depois da formação da culpa, confundindo-se esta com a duração do próprio processo até ao trânsito da decisão. Houve diversos presos que tiveram de aguardar até quatro anos em prisão, pelo julgamento. Além disso o arguido preso só podia requerer para o Supremo Tribunal diligências para acelerar o andamento do processo, ficando sem qualquer meio eficiente para provocar o fim da detenção preventiva, se o julgamento se protelasse para além de certos prazos.
A AMPLIAÇÃO DOS PODERES DA PIDE:AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Ao longo dos anos, a PIDE foi reforçando os seus poderes “legais”, entre os quais se contaram o recurso à prisão preventiva, bem como à medida de segurança provisória (anterior ao julgamento, cuja aplicação era da competência do director da PIDE). Quanto à medida de segurança de aplicação posterior ao cumprimento da prisão, para colocar fora da actividade e neutralizar os presos políticos - considerados mais perigosos e não passíveis de regeneração -, foi-se tornando gradualmente uma das principais armas da PIDE.
Nos dois anos seguintes a 1945, a PIDE ficou com a possibilidade de aplicar «medidas de segurança, previstas na Constituição para a defesa da sociedade e reabilitação dos delinquentes», aos condenados por crimes contra a segurança do Estado. O advogado Vasconcelos Abreu anotou o endurecimento legislativo quanto à privação da liberdade física dos cidadãos, no instituto da prisão preventiva, dando como exemplos as alterações ao Código Penal, através do DL n.º 36 387, de 1 de Julho de 1947. A liberdade condicional era fiscalizada pelo ministério da Justiça e a medida de segurança não tinha ainda um carácter detentivo, mas passou a tê-lo, em 1949, com a criação do Conselho Superior de Polícia (CSP). O DL n.º 37 447, de 13 de Junho de 1949 possibilitou a imposição, aos condenados por actividades subversivas e crimes contra a segurança interior e exterior do Estado, de uma medida de segurança de «internamento» de um a três anos, aplicada por tribunal plenário ou pelos juízos criminais de Lisboa e Porto.
Cabia à PIDE a elaboração das propostas para a aplicação ou prorrogação de medidas de segurança, aos que fundassem ou aderissem a associações ou agrupamentos de carácter comunista que tivessem por fim a prática de crimes contra a segurança exterior do Estado, bem como aos que facilitassem essas actividades fornecendo local para reuniões, subsídios ou permitindo a sua propaganda. Conjugada a prisão preventiva (até seis meses) e esta medida de segurança provisória (até um ano) nos processos em que os arguidos fossem incriminados por crimes contra a segurança de Estado, passava a verificar-se a possibilidade teórica de manutenção da prisão, pela PIDE, sem controlo judicial, por um período de um ano e seis meses.
Quer a medida de segurança «provisória», antes do julgamento, quer aquela posterior ao cumprimento da pena imposta pelo tribunal deveriam ambas ser cumpridas em estabelecimentos dependentes do ministério do Interior – ou seja, da PIDE, no caso de «crimes contra a segurança interna e externa do Estado». A partir de 1949, a política criminal do Estado Novo passou assim a assentar em dois pilares: na prisão preventiva e nas medidas de segurança. Diga-se, porém, que a PIDE habitualmente não aplicava a medida de segurança «provisória» - ou seja, preventiva - de prisão, preferindo, depois da detenção sem culpa formada de seis meses, voltar a prender o indivíduo, por novo período inferior a seis meses, e assim sucessivamente. Foi o que aconteceu ao padre angolano Joaquim Pinto de Andrade, que, ao completar, em 5 de Janeiro de 1963, cento e setenta e sete dias de prisão sem culpa formada, faltando três dias para o máximo de detenção preventiva permitida por lei, foi posto «em liberdade». No entanto, foi «preso imediatamente a seguir à porta da cadeia do Aljube e transferido para Caxias».
Em 1954, foram ampliados os poderes da PIDE e prolongado o tempo de prisão preventiva e, em 1956, um diploma agravou o regime das medidas de segurança posteriores ao julgamento, permitindo-as por períodos indeterminados de 6 meses a 3 anos, prorrogáveis por 3 períodos sucessivos de 3 anos, mesmo nos casos de presos absolvidos. O ministro da Justiça, Cavaleiro Ferreira ergueu-se, aliás, nesse ano, contra o facto de essas medidas de segurança serem cumpridas em prisões da PIDE e lembrou que, apesar de esta polícia poder propor a prorrogação da pena, a decisão pertencia sempre aos tribunais. No entanto, se era verdade que a PIDE apenas propunha a aplicação e prorrogação das medidas de segurança e que estas deviam ser aprovadas pelos tribunais, estes raramente tomaram uma opção contrária ao da polícia. Resultava assim que era esta que, na prática, «determinava» a sua aplicação.
No período em que Marcello Caetano foi presidente do Conselho, a PIDE foi substituída, em 1969, pela Direcção Geral de Segurança (DGS), depois reorganizada, em 1972. A DGS continuou, porém, com os mesmos poderes da sua antecessora, embora o prazo da prisão preventiva passasse a ser mais curto, ficando esta polícia com três meses para instruir os processos. Na chamada metrópole, a prisão preventiva começou a contar por inteiro nas penas de prisão, mas a grande novidade, nesse ano de 1972, foi a abolição das medidas de segurança de internamento para os «delinquentes políticos». O arguido da DGS passou a ter acesso aos autos da instrução preparatória, mas apenas quando não houvesse «nisso inconveniente». E, no caso da DGS, tal como a assistência do advogado aos interrogatórios, nunca era conveniente. Quer na DGS, quer no tribunal plenário, o «marcelismo» não representou, assim, uma grande diferença, relativamente ao período salazarista.
IN:HISTÓRIA DA PIDE
DE, IRENE FLUNSER PIMENTEL