. 15 de Abril de 1842: o alto
cadastrado Francisco de Matos Lobo é enforcado em Lisboa, por quádruplo
homicidio na Rua de São Paulo também na capital.
. 7 de Setembro de 1844:
Manuel Moutinho Pereira, conhecido por "Manuel Custódio", é enforcado
na Rua da Cordoaria no Porto, quando tinha 24 anos de idade e havia sido
condenado por ter assassinado dois homens e uma mulher.
. 17 de Setembro de 1844: é
chegada a vez de José Fernandes Begueiro natural da aldeia de Codeçoso da Venda
Nova cumprir igual pena, no patíbulo previamente montado na Praça do Toural em
Montalegre, por duplo homicídio próximo da Venda Nova, deste concelho.
. 8 de Maio de 1845: no lugar
de Vila de Rua, do concelho de Sernancelhe, Manuel Pires, com a alcunha de
Pires da Rua, conhecido assassino e salteador, é também vitima de enforcamento.
. 19 de Setembro de 1845: no
Campo do Tabulado em Chaves, José Maria, também conhecido pelo “Calças”, é o
última vitima va pena de morte em Portugal, também ocorrida por enforcamento.
. 5 de Julho de 1852: é
abolida a pena de morte para crimes políticos - artigo 16º do Acto Adicional à
Carta Constitucional, sancionado por D. Maria II.
. 1 de Julho de 1867: abolida
finalmente a pena de morte para crimes civis.
E como era então Portugal há
150 anos, quando da abolição da pena de morte?!...
Era a época da transição entre o absolutismo, a República e um país muito
violento. Era a época em que se aprovara o primeiro Código Civil, uma Reforma
Administrativa territorial, e em que era criada a Polícia Cívica. Passavam
então 47 anos desde a revolução liberal de 1820; 33 desde a guerra civil entre
liberais e miguelistas e a abolição da propriedade feudal, e 21 desde a revolta
da Maria da Fonte.
Para o regicídio faltariam 41
e para a implantação da República 44. A situação política era então muito
instável!... No ano seguinte, o Governo dirigido pelo jurista coimbrão Joaquim
António de Aguiar, foi derrubado pela Janeirinha após um protesto contra o
imposto de consumo e a Reforma Administrativa do território consubstanciada na
Lei da Administração Civil de 1867, que extinguia vários concelhos.
Em apenas uma década, ocorreram então sete eleições legislativas!... Apenas
escaparam ás mesmas, os anos de 1862, 1863 e 1866. Nas de 4 de Fevereiro de
1867, saíu vencedora a Oposição - era mesmo assim que se chamava o Partido. Os
votantes habilitados eram apenas 366.448, menos de 10% da população.
Esta, de acordo como o Censos
de 1864, somava quatro milhões e 200 mil "almas" e era
maioritariamente rural. Mais de 88% vivia no campo e 80% era analfabeta e muito
jovem. 34% dos habitantes no país tinham menos de 15 anos e apenas 7%
ultrapassavam os 60. A maioria nascia, vivia e morria muito cedo e no mesmo
lugar. As viagens, mesmo no território nacional eram raras. Os
caminhos-de-ferro estavam então em expansão!... A primeira linha
Lisboa-Carregado, tinha apenas 11 anos e construía-se a de Lisboa-Porto, que
viria a ser inaugurada 10 anos mais tarde em 1877.
A alternativa residia no
barco, mas a maioria das viagens era feita em veículos de tracção animal,
enfrentando o perigo dos salteadores, dos quais se destacam o Zé do Telhado e
João Brandão como os mais famosos.
- SETE VEZES MAIS HOMICIDIOS QUE
HOJE!...
Portugal era - como o retrata
o mais popular escritor da época Camilo Castelo Branco, um país violento e
muito inseguro, no qual a taxa de homicídio - quarto crime então mais
denunciado, era sete vezes superior à actualjdade. Aliás, os crimes contra as
pessoas, com relevo para o de ofensas corporais, que estava então no top,
ultrapassavam em muito, ao contrário do que se passa hoje, as denúncias de
crimes contra a propriedade. Mesmo assim, muito do que hoje é crime, passava
por actos normais.
O primeiro Código Penal,
aprovado 15 anos antes em 1852 - outro existira mas nunca chegou a entrar em
vigor, estabelecia o suicídio e o adultério feminino como crimes, tal como as
ofensas à religião oficial - a católica, e a oposição ao regime – por exemplo
gritar "Viva a República". Mas não criminalizava a prostituição!...
Tal só viria a ocorrer um século depois em 1963 e descriminalizada no pós-25 de
Abril. Por outro lado, este Código consagrava os "crimes de honra":
homem que matasse a mulher adúltera e as filhas menores de 21 anos
"desonradas", só teriam como pena, o exílio temporário da comarca.
As violações eram muito pouco
referidas!... A sociedade, refere a historiadora Maria João Vaz, em Crime e
Sociedade - Portugal na Segunda Metade do Século XIX e O crime em Lisboa
1850--1910, "compreendia razoavelmente o delito da violação desde que
houvesse reparação, ou seja: se violador casasse com a vítima ou se
responsabilizasse por ela."
Não estava em causa
naturalmente a ideia da liberdade e auto-determinação sexual da mulher, mas a
moralidade social e a "honra" da família. E como é evidente,
violência doméstica e abuso sexual de menores, assim como os maus-tratos a
dependentes, só seriam crime daí a mais de um século.
Milhares de crianças eram
abandonadas nas ruas, o infanticídio era tolerado - não é sequer incluído na
categoria de homicídio, e o aborto apesar de considerado crime, raramente era
alvo de perseguição judicial. O trabalho infantil estava mais do que
instituído!... Os órfãos que escapavam à morte e chegavam aos 7 ou 8 anos, eram
entregues a quem se dispusesse a "ensinar-lhes um ofício" e o casamento
civil era permitido ainda em tenra idade como evidenciam os Censos da época. Em
1867, 153 meninas casaram entre os 11 e os 15 anos.
- MORRER COMO TORDOS
O Estado tal como o conhecemos
hoje foi-se construindo: 1867 foi também o ano do primeiro Código Civil,
igualmente conhecido por Código Seabra. Entrou em vigor em 1868, substituindo
as Ordenações Filipinas, e só será substituído pelo Código Civil de 1966, que
ainda hoje vigora.
É também neste ano que foi
criada por Decreto Régio, a Polícia Civil - hoje Policia de Segurança Pública.
Uma Policia que conjugava as competências e atribuições das actuais Polícia
Judiciária, assim como do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, da Autoridade
de Segurança Alimentar e Económica, e do SIS-Serviço de Informações e Segurança.
Foi o primeiro corpo de Polícia não militar a surgir em Portugal!... Antes
existira a militarizada Guarda Municipal, criada em 1834 - antepassada da
GNR-Guarda Nacional Republicana, mas que só funcionava nas regiões de Lisboa e
Porto. No resto do país, quando havia problemas chamava-se o exército.
De como e onde eram julgados
os crimes dependia da gravidade. "Não havia Juiz de Instrução Criminal, as
pessoas eram entregues ao Governo Civil e iam a tribunal de primeira
instância", refere a historiadora Maria João Vaz. "Ainda havia juízes
eleitos pela população dos Municípios, e todos os crimes maiores eram julgados
por júri, constituído a partir de cadernos de jurados elaborados anualmente e
só compostos por homens”.
Apesar do seu estatuto de
menoridade, as mulheres de então, ao contrário do que é mito, sustentavam-se a
si próprias. "A ideia de que as mulheres não trabalhavam é falsa",
assevera ainda a historiadora. "O trabalho delas era mais indiferenciado,
mas começa então a haver costureiras, tabaqueiras, e algumas a trabalhar em
fábricas de têxteis, onde trabalhavam também crianças.
Nas cidades, elas estavam à
frente das tabernas, casas de pasto e de bebidas, e havia muita
prostituição!... As prostitutas até eram inspecionadas para terem boletim sanitário.
Além claro, das "criadas de servir", um enorme contingente que o
Censos de 1864 não quantifica, por não ter conseguido fazê-lo em relação às
profissões.
Por outro lado, grande parte
da população não casava, e quando o fazia era tardiamente!... Entre os 16 e os
20 anos não chegam a dez mil as casadas, e eles são apenas entre casados e
viúvos, 1261. Só depois dos 31 anos o número de casados é maior do que o dos
solteiros entre os 31 e 40 anos.
A insegurança advém também da pobreza e da doença!... Aos hospitais ia-se para
morrer, não para ser tratado. Morria-se muitíssimo de parto - caso da mãe do
rei, D. Maria II em 1853; e de febre tifoide - que vitimou o irmão mais velho
do rei aos 24 anos.
A alimentação média da classe
baixa em zonas rurais era muito incipiente. Couve galega das próprias hortas,
um pouco de azeite, broa de milho e vinho, constituem a comida com que se
sustenta todo o ano a maioria da população, excepto nas poucas alturas em que
conseguia deitar a mão a algum bacalhau ou a uma sardinha. Os melhores
trabalhadores fazem um caldo de feijões, banha e abóbora - caldo de unto, que
não era nada mau numa noite fria nas terras de montanha. Na cidade, onde não
havia ainda água canalizada, “a higiene era péssima", explica a citada
historiadora. "O ambiente urbano era malcheiroso, sujo, com detritos que
se deviam a vários factores, como a passagem dos animais para o matadouro. Os
produtos alimentares vendidos eram muito adulterados. Punham urina no leite -
água talhava, mas urina não – e havia pequenos esquemas que causavam muitas
doenças."
Este era afinal o retrato de
um país hà 150 anos, em que a 1 de Julho de 1867, foi finalmente abolida a pena
de morte