30 março, 2017

A CARTA DE DESPEDIDA DO REINO UNIDO DA UNIÃO EUROPEIA!...

Em 23 de Junho do ano passado, o povo do Reino Unido votou para deixar a União Europeia. Como disse anteriormente, essa decisão não foi uma rejeição dos valores que partilhamos como colegas europeus. Tampouco foi uma tentativa de prejudicar a União Europeia ou qualquer dos restantes Estados-Membros. Pelo contrário, o Reino Unido quer que a União Europeia tenha sucesso e prosperidade. Em vez disso, o referendo foi um voto para restaurar, como vemos, nossa autodeterminação nacional. Estamos deixando a União Europeia, mas não estamos deixando a Europa - e queremos continuar a ser parceiros e aliados comprometidos com os nossos amigos em todo o continente.
No início deste mês, o Parlamento do Reino Unido confirmou o resultado do referendo votando com maiorias claras e convincentes em ambas as suas Casas para a União Europeia (notificação de retirada) Bill. O projeto de lei foi aprovado pelo Parlamento em 13 de março e recebeu a Assentimento Real de Sua Majestade a Rainha e tornou-se uma lei do Parlamento em 16 de março.
Hoje, portanto, estou escrevendo para dar efeito à decisão democrática do povo do Reino Unido. Comunico ao Conselho Europeu, nos termos do n.º 2 do artigo 50.º do Tratado da União Europeia, a intenção do Reino Unido de se retirar da União Europeia. Além disso, nos termos do nº 2 do artigo 50º, tal como aplicado pelo artigo 106º-A do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, comunico ao Conselho Europeu a intenção do Reino Unido de se retirar da Comunidade Europeia da Energia Atómica. Por conseguinte, as referências feitas na presente carta à União Europeia devem incluir uma referência à Comunidade Europeia da Energia Atómica.
Esta carta expõe a abordagem do Governo de Sua Majestade às discussões que teremos sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e sobre a profunda e especial parceria que esperamos desfrutar - como seu melhor amigo e vizinho - com a União Europeia, uma vez que tenhamos sair. Consideramos que estes objectivos são do interesse não só do Reino Unido, mas também da União Europeia e do resto do mundo.
É do melhor interesse tanto do Reino Unido como da União Europeia que tenhamos de usar o próximo processo para cumprir estes objectivos de uma forma justa e ordenada e com a menor perturbação possível de cada lado. Queremos garantir que a Europa permaneça forte e próspera e seja capaz de projetar os seus valores, líder no mundo e defender-se das ameaças à segurança. Queremos que o Reino Unido, através de uma nova parceria profunda e especial com uma União Europeia forte, desempenhe plenamente o seu papel na consecução destes objectivos. Por conseguinte, consideramos que é necessário acordar os termos da nossa futura parceria, juntamente com os da nossa retirada da União Europeia.
O Governo pretende abordar as nossas discussões com ambição, dando aos cidadãos e às empresas do Reino Unido e da União Europeia - e mesmo de países terceiros em todo o mundo - tanta certeza quanto possível, o mais cedo possível.
Gostaria de propor alguns princípios que podem ajudar a moldar as nossas próximas discussões, mas antes de fazê-lo, devo informá-lo sobre o processo que iremos realizar em casa, no Reino Unido.
  • O processo no Reino Unido
Como já anunciei, o Governo apresentará legislação que revogará a lei do Parlamento - a Lei das Comunidades Europeias de 1972 - que dá efeito ao direito da UE no nosso país. Esta legislação transformará, na medida do possível e de forma prática, o corpo do direito da União em vigor (o "acervo") na legislação britânica. Isto significa que haverá certeza para os cidadãos britânicos e para qualquer pessoa da União Europeia que faça negócios no Reino Unido. O Governo consultará sobre a forma como elaboramos e implementamos esta legislação, e publicaremos amanhã um Livro Branco. Pretende-se também apresentar várias outras propostas legislativas que abordem questões específicas relacionadas com a nossa saída da União Europeia, também com vista a garantir continuidade e certeza, em particular para as empresas.

Desde o início e ao longo das discussões, vamos negociar como um Reino Unido, tendo devidamente em conta os interesses específicos de cada nação e região do Reino Unido como o fazemos. No que se refere ao regresso das competências ao Reino Unido, consultaremos em pormenor os poderes que devem residir em Westminster e que devem ser transferidos para a Escócia, o País de Gales e a Irlanda do Norte. Mas é a expectativa do Governo que o resultado deste processo será um aumento significativo no poder de decisão de cada administração descentralizada.
  • Negociações entre o Reino Unido e a União Europeia
O Reino Unido quer concordar com a União Europeia uma parceria profunda e especial que contemple a cooperação económica e de segurança. Para o conseguir, consideramos que é necessário acordar os termos da nossa futura parceria juntamente com os da nossa retirada da UE.
Se, no entanto, deixarmos a União Europeia sem um acordo, a posição por defeito é que teríamos de trocar em termos da Organização Mundial do Comércio. Em termos de segurança, a incapacidade de chegar a um acordo significaria que a nossa cooperação no combate ao crime e ao terrorismo ficaria enfraquecida. Neste tipo de cenário, tanto o Reino Unido como a União Europeia, naturalmente, irão lidar com a mudança, mas não é o resultado que qualquer das partes deve procurar. Devemos, portanto, trabalhar arduamente para evitar esse resultado.
É por estas razões que queremos chegar a acordo sobre uma parceria profunda e especial, tendo em conta a cooperação económica e de segurança, mas também porque queremos desempenhar o nosso papel para garantir que a Europa permaneça forte e próspera e capaz de Liderança no mundo, projetando seus valores e defendendo-se de ameaças de segurança. E queremos que o Reino Unido desempenhe o seu papel na realização dessa visão para o nosso continente.
  • Princípios propostos para nossas discussões
Olhando para o futuro para as discussões que vamos começar em breve, gostaria de sugerir alguns princípios que podemos concordar em ajudar a garantir que o processo é tão suave e bem sucedida possível.
  • Devemos envolver-nos de maneira construtiva e respeitosa, num espírito de cooperação sincera
Desde que me tornei primeiro-ministro do Reino Unido, ouvi-o atentamente, aos meus colegas chefes de governo da UE e aos presidentes da Comissão Europeia e do Parlamento. É por isso que o Reino Unido não procura a adesão ao mercado único: entendemos e respeitamos a vossa posição de que as quatro liberdades do mercado único são indivisíveis e que não pode haver uma "escolha de cerejas". Também entendemos que haverá consequências para o Reino Unido de deixar a UE: sabemos que perderemos a influência sobre as regras que afectam a economia europeia. Sabemos também que as empresas britânicas terão de se alinhar com as regras acordadas pelas instituições das quais já não somos parte, tal como fazem as empresas britânicas noutros mercados estrangeiros.
  • Devemos sempre colocar os nossos cidadãos em primeiro lugar
Há uma complexidade óbvia nas discussões que estamos prestes a realizar, mas devemos recordar que no centro das nossas conversações estão os interesses de todos os nossos cidadãos. Existem, por exemplo, muitos cidadãos dos restantes Estados-Membros que vivem no Reino Unido e cidadãos britânicos que vivem noutros locais da União Europeia, e devemos procurar chegar a um acordo rápido sobre os seus direitos.
  • Devemos trabalhar para conseguir um acordo abrangente
Queremos chegar a acordo sobre uma parceria profunda e especial entre o Reino Unido e a UE, tendo em conta a cooperação económica e de segurança. Teremos de discutir a forma como determinamos uma solução justa dos direitos e obrigações do Reino Unido como Estado-Membro que parte, de acordo com a lei e no espírito da parceria contínua do Reino Unido com a UE. Mas acreditamos que é necessário acordar os termos da nossa futura parceria, juntamente com os da nossa retirada da UE.
  • Devemos trabalhar em conjunto para minimizar as perturbações e dar tanta certeza quanto possível
Os investidores, as empresas e os cidadãos do Reino Unido e dos restantes 27 Estados-Membros - e de países terceiros em todo o mundo - querem poder planear. A fim de evitar qualquer penhasco à medida que passarmos da nossa relação actual para a nossa futura parceria, as pessoas e as empresas, tanto no Reino Unido como na UE, beneficiariam de períodos de implementação para ajustarem-se de forma suave e ordenada aos novos acordos. Ajudaria ambos os lados a minimizar a interrupção desnecessária se concordarmos com esse princípio no início do processo.
Em particular, devemos prestar atenção à relação única do Reino Unido com a República da Irlanda e à importância do processo de paz na Irlanda do Norte
A República da Irlanda é o único Estado-Membro da UE com uma fronteira terrestre com o Reino Unido. Queremos evitar o regresso a uma fronteira difícil entre os nossos dois países, para poder manter a Área Comum de Viagens entre nós e para garantir que a retirada do Reino Unido da UE não prejudique a República da Irlanda. Temos também uma importante responsabilidade em assegurar que nada seja feito para comprometer o processo de paz na Irlanda do Norte e para continuar a respeitar o Acordo de Belfast.
  • Devemos iniciar conversações técnicas sobre áreas políticas detalhadas o mais rapidamente possível, mas devemos priorizar os maiores desafios.
Concordar uma abordagem de alto nível para as questões decorrentes da nossa retirada será, obviamente, uma prioridade precoce. Mas também propomos um ambicioso e ousado Tratado de Comércio Livre entre o Reino Unido e a União Europeia. Isto deve ser de maior alcance e ambição do que qualquer outro acordo antes dele, de modo a abranger sectores cruciais para as nossas economias ligadas, tais como os serviços financeiros e as indústrias de rede. Isto exigirá discussões técnicas detalhadas, mas como o Reino Unido é um estado membro da UE existente, ambos os lados têm marcos regulatórios e padrões que já correspondem. Portanto, devemos priorizar como gerenciamos a evolução dos nossos quadros regulatórios para manter um ambiente comercial justo e aberto e como resolvemos as disputas.
  • Devemos continuar a trabalhar em conjunto para promover e proteger os nossos valores europeus comuns
Talvez agora mais do que nunca, o mundo precisa dos valores liberais e democráticos da Europa. Queremos desempenhar o nosso papel para que a Europa permaneça forte e próspera e seja capaz de liderar no mundo, projectando os seus valores e defendendo-se das ameaças à segurança.
  • A tarefa diante de nós
Como já disse, o Governo do Reino Unido quer chegar a acordo sobre uma parceria profunda e especial entre o Reino Unido e a UE, tendo em conta a cooperação económica e de segurança. Numa altura em que o crescimento do comércio global está a abrandar e há sinais de que os instintos protecionistas estão a aumentar em muitas partes do mundo, a Europa tem a responsabilidade de defender o livre comércio no interesse de todos os nossos cidadãos. Da mesma forma, a segurança da Europa é mais frágil hoje do que em qualquer outro momento desde o fim da Guerra Fria. Enfraquecer nossa cooperação para a prosperidade e a proteção de nossos cidadãos seria um erro caro. Os objectivos do Reino Unido para a nossa futura parceria continuam a ser os estabelecidos no meu discurso de Lancaster House, de 17 de Janeiro, e no subsequente Livro Branco, publicado em 2 de Fevereiro.
Reconhecemos que será um desafio chegar a um acordo tão abrangente dentro do prazo de dois anos previsto para as discussões de retirada do Tratado. Mas acreditamos que é necessário acordar os termos da nossa futura parceria, juntamente com os da nossa retirada da UE. Partimos de uma posição única nessas discussões - o estreito alinhamento regulatório, a confiança nas instituições uns dos outros e um espírito de cooperação que se estende por décadas. É por estas razões, e porque a futura parceria entre o Reino Unido e a UE é tão importante para ambas as partes, que estou certo de que pode ser acordado no período estabelecido pelo Tratado.
A tarefa diante de nós é importante, mas não deve estar além de nós. Afinal, as instituições e os líderes da União Europeia conseguiram unir um continente destruído pela guerra numa união de nações pacíficas e apoiaram a transição das ditaduras para a democracia. Juntos, sei que somos capazes de chegar a um acordo sobre os direitos e obrigações do Reino Unido como um estado membro que parte, estabelecendo uma parceria profunda e especial que contribui para a prosperidade, segurança e poder global do nosso continente.

29 março, 2017

- SERÁ QUE A UNIÃO EUROPEIA IRÁ SOBREVIVER À CRISE QUE A AFECTA?!...

Nesta edição e mais uma vez, o “Politicamente Falando” volta a abordar o tema Europa. Europa de que – queiramos ou não admiti-lo dependemos, que desde hà dez anos a esta parte vive a maior crise da sua história, e onde pela primeira vez está em cima da mesa o cenário do seu fim, sem que se conheçam as consequências que daí possam advir para os países que a integram e para o comum dos cidadãos em caso de colapso.
Das recentes comemorações dos 60 anos da assinatura do Tratado de Roma que esteve na origem da CEE – hoje UE, nada de novo saíu, e o novo lema, é o desconhecido “comboio a duas velocidades”, cujos contornos parece ninguém estar interessado em “abrir o livro”, mas que podem muito bem significar, que a ser assim, é muito bem capáz de não chegar a lado nenhum.

Ora vejamos: o Reino Unido acaba de iniciar o seu processo de desintegração com a activação do artigo 50.º do Tratado de Lisboa, dando assim andamento aos resultados do referendo de 23 de Junho de 2016. A decisão, como se sabe é de altíssimo risco já que foi tomada contra a opinião do eleitorado da Escócia e da Irlanda do Norte e de consequências imprevisíveis quer a nível interno quer externo. A Turquia, estrategicamente situada em zona privilegiada para os interesses europeus e a Grécia, andam de costas voltadas face á recusa do Supremo Tribunal de Justiça grego ter inviabilizado a extradição de oito oficiais turcos envolvidos no alegado golpe de estado para derrubar Erdogan, facto que levou o governo turco à ameaça de invasão de Chipre como retaliação – abrindo de novo uma ferida nunca sarada que vem de 1996. Depois, e para além das cada vez mais acentuadas diferenças culturais e politicas entre os países do norte e do sul, surge a ameaça populista que se vem erguendo em vários pontos e que actualmente tem a sua expressão maior na presidenciável Marine Le Pen para quem Trump é fixe e Putins, Wilders, Orbáns e Erdogans exemplos a seguir, com as consequências que a mesma já teve ocasião de anunciar em caso de vitória. E não menos importante ainda como consequência do Brexit, o possível risco de desintegração da Escócia a reclamar a sua independência e da Irlanda do Norte a apostar na sua integração na República da Irlanda factos que se podem transformar numa verdadeira caixa de Pandora a que nem aqui a nossa vizinha Espanha conseguirá escapar.

A incerteza está pois instalada e a dominar as opiniões públicas quanto ao futuro e quanto à crise que aí vem, havendo já estudos que servem e justificam todas as opiniões sobre as boas ou más consequências do Brexit, das relações norte-sul, do quadro pouco animador em que vivem a Turquia e a Grécia e dos resultados das eleições presidênciais em França.
Há porém uma verdade que hoje é indiscutível:a Europa precisa de ser refundada e isso só é possível com outros protagonistas e outros modelos de governação que extirpem os vírus que a direita e a extrema-direita europeias vêm espalhando por toda a zona euro. A manter-se amarrada aos seus nacionalismos e ignorando os princípios da coesão e da solidariedade, um pouco até à semelhança do caso britânico, que nunca aceitou ser igual entre iguais, e que em boa verdade, nunca perdeu a sua arrogância imperial e vitoriana, nem a sua hostilidade aos ventos continentais, ser-lhe-ão fatais.

O passo fundamental passará pois pela reposição da reserva de soberania que existia antes de 1992 quando da ratificação do Tratado de Maastricht e fazê-la assentar num modelo que substitua os principios federais-neoliberais, de modo a que seja respeitada sem subterfúgios a reserva de soberania de cada Estado. Se tal não ocorrer e cada qual continuar a puxar para seu lado, a corda tenderá a esticar cada vez mais.

É por isso que as eleições  em França, e porque não dizê-lo também em Itália e na Alemanha, serão decisivas no proporcionar ou não, de resultados que façam surgir um outro modelo ainda não ensaiado. Os tempos próximos serão por isso tempos de crise politica, mas é também das crises que surgem as oportunidades. Oxalá que todos sem excepção as saibam aproveitar.

(A minha crónica para o Noticias de Barroso de 30Março2017)

Domingos Chaves

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA!...

Segundo dados de 2016 da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, por dia e em média, catorze mulheres, três idosos, duas crianças e dois homens. são vítimas de crime. São números inquietantes o que parece mostrar que a violência doméstica continua indomesticável.

Um outro dado relevante, é o facto de que entre os agressores, 7,4 % possui formação superior, o que significa que mundo da violência doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos. Ou seja: aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de si.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios gravíssimos de violência doméstica, é ainda inquietante o facto de que alguns realizados em Portugal, evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova, mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes, remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz, o sentimento de impunidade instalado. As condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas, face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento.

Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves, e naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

Torna-se ainda necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos, possamos desenvolver esforços que alterem quadros de valores, de cultura e de comportamentos, que minimizem o cenário negro em que vivemos. A educação é a arma mais poderosa de transformação do mundo como sabiamente afirmava Mandela. No entanto, como é sabido, a formação cívica deixou de ser um conteúdo e área curricular obrigatória.

A omissão ou desvalorização desta mudança, é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”.

Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

21 março, 2017

ELEIÇÕES PRESIDÊNCIAIS EM FRANÇA -GRANDE REPORTAGEM ¨¨

A FRANÇA AO RUBRO!... ( PARTE I)                                      
Com:LusoJornal/R.Renascença
- O FEITIÇO MARINE LE PEN CONQUISTA OS PORTUGUESES

Dizem que ela é a “mãe” de que França precisa, que ela fala quando todos se calam. Muitos portugueses em França querem ver Marine Presidente. Dizem que há maus imigrantes – e não são eles. Entre os jovens com raízes na imigração, os luso-descendentes são os mais dispostos a votar na extrema-direita.
A sede da Front National Jeunesse de Paris passa despercebida na Rua Jeanne d'Arc. No número 165 não se vislumbra referência à juventude partidária. Um centro de relaxamento e massagens asiáticas serve de vizinho. Um graffiti com a inscrição “antifa”, o diminutivo de antifascista, não foi totalmente apagado pelas camadas de tinta sobrepostas de forma tosca.
Só quando tocamos à campainha e um grupo de jovens nos abre a porta vemos símbolos da Frente Nacional (FN), entre os quais uma caneca com a inscrição “J’  Marine” e um cartaz com o slogan “ni droite, ni gauche” - nem direita, nem esquerda.
Duas dezenas de pessoas preparam-se para ouvir a palestra de um director administrativo e financeiro de um hospital mutualista. Vai “descodificar” Emmanuel Macron, candidato às presidenciais francesas. Não há gritos nacionalistas nem cabeças rapadas: esta é a nova FN, que procura fugir dos rótulos “extrema-direita”, “racista” e “xenófoba”.
Quando assumiu a chefia da FN, Marine iniciou a “desdiabolização” do partido. Mas o processo em curso – que os militantes juram ser verdadeiro e os opositores apelidam de mero marketing – ainda não sossega o orador. Proibiu os presentes na sala de captar imagens e sons, usou um pseudónimo. Apoiar a FN pode ser uma nódoa no currículo ou “um problema”, como diz aos “camaradas” Davy Rodríguez de Oliveira, vice-presidente da Front National Jeunesse.
O orador mostra um mapa ideológico: Marine Le Pen surge pouco à direita de Nicolas Sarkozy. No mapa, Jean-Marie Le Pen, pai de Marine e símbolo da velha FN, é o político mais à direita. A Frente Nacional mudou. Ou quer fazer acreditar que sim.

- A MÃE MARINE

No dia anterior, uma terça-feira de Fevereiro, as notícias ofereciam um concentrado de algumas das coisas que vão na cabeça de quem vive em França: detenções em Marselha de três suspeitos de terrorismo; a recusa de Marine Le Pen em vestir o véu islâmico para um encontro com o grande mufti da capital do Líbano; buscas policiais na sede da Frente Nacional, em Nanterre, no âmbito da investigação ao alegado uso indevido de fundos do Parlamento Europeu para financiar a actividade do partido.
Aparentemente indiferente às buscas, a poucos passos da sede da FN, Manuel Domingos, um dos 608 mil imigrantes portugueses em França (dados de 2013, que indicam ainda a presença de 680 mil luso-descendentes), serve os cafés a um grupo de trabalhadores portugueses – a energia necessária para retomar o trabalho. O movimento do almoço transforma-se, lentamente, no sossego da tarde. Marine não está aqui, mas podia estar: o Chez Tonton, restaurante do português Manuel Domingos, é local habitual de repasto de dirigentes da Frente Nacional – o “Le Monde” chamou-lhe o “verdadeiro quartel-general” e a “cantina” do partido. Marine não está aqui, mas está: Manuel pôs cartazes da líder da Frente Nacional um pouco por todo o lado.
Os símbolos portugueses partilham o espaço das paredes com objectos de propaganda da Frente Nacional, muitos deles assinados com dedicatórias ao querido “Tonton”. Manuel convida-nos a subir ao primeiro andar. Uma sala com a placa “privé” está decorada a preceito para receber os dirigentes da Frente Nacional: cartazes e a bandeira francesa. No rés-do-chão, um homem de fato degusta um bife debaixo de um cartaz de Marion Maréchal-Le Pen, a neta de Jean-Marie e sobrinha de Marine que, aos 22 anos, se tornou a mais jovem deputada da história da política moderna francesa.
Há símbolos dos três grandes do futebol português e frases contra o fiado nas redondezas de uma colecção de emblemas das forças de segurança francesas. “A polícia não é respeitada como era antigamente”, atira Manuel, exemplo de uma “crise que é monstruosa devido a todas estas facilidades das fronteiras abertas”. Partilha com a Frente Nacional o diagnóstico dos problemas de França e as soluções. Dizemos que, se há 34 anos, a política de Marine Le Pen estivesse em vigor – a candidata propõe uma redução para 10 mil novas entradas de imigrantes por ano – talvez Manuel não estivesse em França. “Talvez você tenha razão, mas acho que hoje é um abuso de confiança”, responde. E mais à frente conclui: há “uma maioria de bandidos” na nova imigração.
As sondagens indicam uma luta renhida entre Le Pen e o social liberal Emmanuel Macron pela vitória na primeira volta, a 23 de Abril. Os estudos de opinião dão uma vitória a Macron à segunda volta (7 de Maio), mas Manuel Domingos acredita que é desta: Le Pen será Presidente. Gostava que ela celebrasse a vitória no Chez Tonton, como prometeu nas eleições de 2012, nas quais perdeu na primeira volta – desta vez, as sondagens dão como certa uma passagem de Marine à segunda volta. Marine mudou o partido, suavizou a mensagem, afastou-se de comentários anti-semitas e abertamente racistas. Mas Manuel não é um convertido a Marine: já militava no partido nos tempos do pai, “um grande amigo”, antes de o partido construir a sede ao lado do seu Chez Tonton. “É como uma família, está a perceber?”
Uma volta por Puteaux e Nanterre, dois subúrbios de Paris, parece dar força às palavras de Marine, em 2012, numa entrevista ao “Expresso”: “Os portugueses de França são os mais duros para com os imigrantes que vêm para cá e não respeitam ninguém!”. Em 2015, um quarto dos luso-descendentes candidatos às eleições departamentais, de âmbito local, concorreu pela Frente Nacional. Em Maio de 2016, um estudo do Centro de Estudos Políticos de Sciences Po mostrou que entre os jovens franceses com origens na imigração os que têm ascendência portuguesa eram os mais dispostos a votar na extrema-direita – 50% admitiam fazê-lo. E Davy Rodríguez de Oliveira, o vice-presidente da juventude FN, é neto de imigrantes, uma portuguesa e um espanhol. Para ele, não é contraditório ter raízes na imigração e ser a favor de um partido que vê a imigração como um problema.
A Avenida Georges Clemenceau liga Nanterre a Puteaux, cidade geminada com Braga, casa e local de trabalho de muitos portugueses e lusodescendentes. Para chegar ao A La Bergère, haveremos de passar por uma agência da Caixa Geral de Depósitos, uma funerária muçulmana, um restaurante turco e uma escola. São 17h00 e é hora de saída dos alunos e alunas, muitos delas de véu islâmico na cabeça. É um dia normal em França, onde quase 20% da população é imigrante ou descendente de imigrantes (dados de 2013).
O A La Bergere é um café-restaurante numa esquina de Puteaux. À volta do balcão, assume-se sem problemas o apoio à Frente Nacional enquanto se bebericam cervejas e se põe a conversa em dia. Muitos dos clientes são portugueses. À porta, Manuel Baptista, de 58 anos, diz-nos o que lhe vai por dentro: “Voto na Marine Le Pen e espero que ela ganhe. É uma mulher que nunca esteve no Governo. Espero que ela seja uma boa mãe.” E repete: “que ela seja uma boa mãe.”
Será uma estreia. Manuel votou sempre no PS, mas “eles prometem tudo e não dão nada a ninguém”. A oportunidade de trabalhar nas obras, “sempre nas obras”, levou-o de Guimarães para França há 35 anos. Há cinco foi dado como “handicapé”, conta num português afrancesado. Apesar de parcialmente incapacitado, é “obrigado a trabalhar nas obras” para “comer”. A promessa de Marine de descer a idade da reforma para os 60 anos dá-lhe uma réstia de esperança. “Não é normal que dêem a ‘retraite’ aos 45 e 50 anos a pessoas que trabalham para o Estado e a nós [que trabalhamos nas obras] só aos 65 anos. Não é normal, nós estamos todos rebentados.”
O discurso anti-imigração com que Marine Le Pen espera vencer as eleições presidenciais não assusta o imigrante Manuel Baptista. “Quando vamos para um país qualquer temos que trabalhar”, diz. “A Marine Le Pen não quer ninguém fora daqui: quer que as pessoas trabalhem, não quer que as pessoas fiquem na cama até ao meio-dia.”
Thibauld Dujardin, 26 anos, secretário-geral do 13.º distrito de Paris da FN, afirma que a realidade veio dar razão ao partido, que mudou e se afastou da imagem “não muito boa” que tinha nos tempos de Jean-Marie Le Pen. “Temos pessoas da imigração [nos quadros do partido]: Jean Messiha, que vem do Egipto e que teve a seu cargo a escrita do programa, Guy Deballe, da África Central, que é candidato em Paris às legislativas… Com os motins, o terrorismo, as pessoas vêem que há algo a correr mal no país, que não podemos ser apenas politicamente correctos e esperar que as coisas corram bem. Temos de tomar decisões, temos de parar a imigração”, sublinha.
Entre as decisões a tomar está, sugere, um “convite” para a saída de imigrantes sem emprego – algo que não consta do programa de Marine. “Damos-te um período de tempo para encontrares trabalho, mas, findo esse período, a solidariedade deve ir para os cidadãos nacionais”, afirma. “Não podes ser um custo para a França. Vamos pedir a essas pessoas para saírem se não conseguirem arranjar um emprego.”

ELEIÇÕES PRESIDÊNCIAIS EM FRANÇA -GRANDE REPORTAGEM ¨¨

A FRANÇA AO RUBRO!... ( PARTE II)                                      
Com:LusoJornal/RR
- O ISLÃO COMO INIMIGO
A popularidade da Frente Nacional entre a comunidade portuguesa e luso-descendente não surpreende Nonna Mayer. Recebe-nos no seu gabinete no Centro de Estudos Europeus da Universidade Sciences Po, um cubículo demasiado pequeno para tantos livros sobre extrema-direita, eleições, raça e imigração. Um separador reúne apenas escritos sobre os Le Pen e a Frente Nacional. Nonna é uma das maiores autoridades na matéria. Começou a estudar a extrema-direita francesa por volta das eleições europeias de 1984 – o primeiro resultado significativo da FN, 11% dos votos.
“A ideia de que os benefícios sociais vão para pessoas que não os merecem – os pobres indignos e os imigrantes indignos – é uma história muito clássica, não é específica da França. Algumas pessoas dizem: ‘Como é que se pode ser imigrante e votar num partido anti-imigrantes?’ Ora, isso depende: uma pessoa pode ser imigrante, vítima de racismo e xenofobia, e ter os seus próprios bodes expiatórios, ter a sensação de que há outros imigrantes que não se comportam como deve ser. Não é assim tão ilógico votar na Marine Le Pen. Veja-se o caso de Jean-Marie Le Pen, famoso pelos seus comentários anti-semitas: mesmo assim, os inquéritos dizem que cerca de 13% das pessoas que se consideram judias votaram na Marine Le Pen em 2012.”
A evolução da Frente Nacional manteve Nonna Mayer no seu rasto. Descobriu que o partido desfez as velhas “clivagens” (religião e classe) que geraram o quadro partidário tradicional, conseguindo unir nas urnas “inimigos de classe” históricos, como patrões e operários.
Recentemente, voltou ao seu velho objecto de análise num estudo sobre a sociologia política da precariedade. “Não é só o ser-se pobre, não é apenas uma questão de dinheiro, é o facto de se estar isolado, de não saber se vamos ter o suficiente para comer ou para ter uma casa amanhã”, explica. Entre os inquiridos, ouviu muitas pessoas em situação precária que vêem em Marine “alguém interessante” e imigrantes a dizer “se calhar temos demasiados imigrantes”. “Muitos disseram: ‘Eu sou de origem imigrante, mas, na minha família, nós trabalhámos muito, trabalhámos muito para nos integrar, e os novos imigrantes não’.”
Muitos dos inquiridos por Nonna Mayer e Céline Braconnier votaram à esquerda em 2012. “Mas alguns disseram: ‘Vê? Ao menos quando Marine Le Pen fala, nós percebemos. Ela diz as coisas muito claramente. E ela é menos burguesa do que os outros candidatos."
A Frente Nacional não está sozinha. Um pouco por toda a Europa forças classificadas como populistas atacam a imigração, o islão e o “sistema”. “O problema é que hoje, por toda a Europa, temos este tipo de partidos. São muito diferentes, não têm a mesma história que a Frente Nacional, mas há extremas-direitas que são populistas, nativistas, proteccionistas, eurocépticas. Estão por todo o lado. Crescem, dizem elas, porque protegem os perdedores da globalização.
“Este é o factor por detrás disto, o factor que lhes permitiu desenvolverem-se”, teoriza. “É o medo da globalização. E, na Europa, o medo da integração na União Europeia. Quando entrevistámos pessoas que votam na Frente Nacional, elas dizem-nos que a União Europeia é uma porta aberta para mais imigração. E isso não quer dizer que este é o problema, mas é enquadrado como um problema pela Frente Nacional.”
No discurso do partido, com a queda do comunismo, a imigração tornou-se o prato principal. Nos últimos anos, aponta Mayer, esta posição cruzou-se com um “novo inimigo”: o islão. “Têm o contexto ideal: refugiados a chegar, dois anos com uma série de ataques terroristas e o arrastar da recessão, da crise económica e do desemprego”, analisa a socióloga.
“Ela diz que está contra o fundamentalismo islâmico e mudou de forma muito inteligente o discurso. Ela afirma: ‘nós somos os campeões da democracia, estamos a defender a democracia contra a ameaça do fundamentalismo islâmico’. Ela coloca-se como uma guerreira contra o fundamentalismo islâmico, visto como uma ameaça aos direitos das mulheres, aos direitos dos homossexuais, aos direitos dos judeus. Diz que a Frente Nacional é a campeã da secularização, um velho princípio da república francesa, o que faz com que a plataforma dela, que é, desde sempre e antes de tudo, como nos tempos do pai dela, anti-imigração, se torne mais aceitável face aos valores da democracia.”
A mudança no discurso da FN ficou conhecida como a “desdiabolização” e chegou ao ponto de levar Marine a condenar as palavras do pai quando este disse que as câmaras de gás foram um “detalhe” da história da II Guerra Mundial. Mas, para Nonna Mayer, “no que diz respeito a rejeitar o outro, a rejeitar as minorias, a rejeitar os imigrantes, a linha mantém-se, dentro do partido e entre os seus eleitores”. Os estudos que fez provam isso mesmo: os eleitores da FN “são sempre mais intolerantes do que todos os outros”.

- EXTREMISTA, EU?!...
Davy Rodríguez de Oliveira, o vice-presidente da juventude da Frente Nacional, sorri quando lhe falamos em Nonna Mayer. Garante que o partido mudou mesmo. Se não tivesse mudado, assegura, ele, que há poucos anos militava pela esquerda, não estaria a falar connosco no número 165 da Rua Jeanne d'Arc, rodeado por livros (de Marx – sim – a tomos sobre a II Guerra Mundial e religião).
Nonna investiga onde Davy, que tem 23 anos, estuda. Em 2015, ele e outros jovens quebraram a rotina da prestigiada Sciences Po, onde estudaram François Hollande, Jacques Chirac e José Sócrates: abriu um grupo representativo da Frente Nacional. Antes, tinha estado no Partido Socialista e no Parti de Gauche, comparável ao português Bloco de Esquerda. O que o levou à outra ponta do espectro político? Ele, que na entrevista à Renascença cita o marxista Žižek, rejeita a geometria. A FN é um partido um bocadinho diferente dos outros porque nãé de esquerda nem de direita. É um partido que diz: tens de um lado os patriotas e do outro os mundialistas. Os que querem defendem a cultura francesa, as culturas europeias e os modelos sociais e, do outro lado, os que querem desfazer os países para impor a União Europeia”, argumenta. A esquerda pareceu-lhe já “submetida” à União Europeia.

- ORIGEM GEOGRÁFICA DOS EMIGRANTES EM FRANÇA ATÉ 2013(ÚLTIMO CENSUS)
Entre os quase 6 milhões de imigrantes que viviam em França em 2013, os portugueses representavam cerca de 10% do total. São a nacionalidade europeia mais representada, e a terceira a nível mundial, atrás dos argelinos e marroquinos. Estes números incluem apenas os imigrantes de primeira geração. Fonte: Insee, censos da população de 2013
Uma conversa com Gaëtan Dussausaye, presidente da Front National Jeunesse, foi decisiva para alterar a forma como Davy via o partido. Diz ele agora: a FN não é “extremista”, “racista” ou “homofóbica”, só tem posições claras. Uma delas: “Estamos a favor de uma política de assimilação das populações que estão a chegar de África. É dizer ‘não’ a pessoas que chegam a um país e que impõem a sua cultura a esse país. Se vêm viver para a França é porque querem viver como franceses, como europeus.” O programa de Marine advoga a “assimilação republicana, princípio mais exigente do que a integração”.
Mais à frente, Davy reforça a ideia de que há bons e maus imigrantes e descendentes de imigrantes. E os portugueses estão, regra geral, entre os bons. “Os franceses com origens portuguesas estão muito mais bem assimilados do que as populações africanas”, acredita. Hoje, conclui, a imigração tornou-se um problema. Económico (com a taxa de desemprego a rondar os 10%, a “prioridade nacional” deve imperar – mesmo que entre os imigrantes a taxa de desemprego seja o dobro, segundo dados de 2015 do instituto nacional de estatísticas francês) e social.
Nas 144 medidas apresentadas por Marine Le Pen, a “prioridade nacional” traduz-se, por exemplo, numa taxa a aplicar aos trabalhadores estrangeiros. Uma medida que afectaria os cerca de 500 mil portugueses sem nacionalidade francesa.
“Nos subúrbios de Paris há muito racismo contra os brancos. Em muitos sítios os brancos são uma minoria e são discriminados por serem brancos”, garante Davy, que vive em Saint-Ouen-l'Aumône, a 27 quilómetros do centro da capital. Thibauld Dujardin, companheiro de partido, ficou desiludido com Sarkozy e Hollande por não conseguirem impedir novos motins nos subúrbios parisienses, depois dos eventos trágicos de 2005. Foi por isso que aderiu à FN. Diz que, em vez da multiculturalidade, impôs-se uma “uniculturalidade”, que não é francesa. É árabe? “Estou a falar de qualquer cultura que não é assimilada pela cultura francesa.”
Nonna Mayer conhece este discurso. “O truque de Marine Le Pen é focar-se exclusivamente nestes subúrbios”, alerta. Os problemas de delinquência não são o todo, mas a parte: “não se pode extrapolar para França e para todos os imigrantes”, nem sequer para todos os subúrbios, defende.
A socióloga reconhece problemas, mas foca-se nas causas. “Estamos numa situação em que é difícil conseguir atingir objectivos económicos e é mais fácil concentrar o debate político em questões de identidade”, observa. “O problema não está na assimilação, mas em dar os meios”, argumenta. “Muitas vezes, mesmo quando têm um curso superior, por causa dos nomes e por causa dos bairros sociais de onde vêm, as pessoas não os aceitam. Há muitas provas que mostram que há discriminação. Para o empregador, não é a mesma coisa se o teu nome é Mohammed, Frédéric Dupont ou Mohammed Ben Ali. Existem problemas, mas o essencial é não concentrar a discussão na religião ou na imigração, mas sim no que podemos fazer para os ajudar a sair da miséria. Estes subúrbios desfavorecidos não são habitados apenas por imigrantes e filhos de imigrantes. Considero que o primeiro problema é económico e social.”

- ALERGIA À POLITICA
A portuguesa Luciana Gouveia vive perto de Saint-Denis, o departamento dos arredores de Paris “que é mais categorizado como multicultural. Mas a França é isso mesmo”. Coordena os projectos da Cap Magellan, a maior associação de luso-descendentes em França, que passa despercebida num recanto sossegado da Avenue de la Porte de Vanves. O edifício concentra várias iniciativas com bandeira portuguesa: a Cap Magellan, o “LusoJornal” (semanário franco-português) e a Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa. Ali ao lado, um café ostenta uma bandeira da Colômbia e serve pizas para fora. Um exemplo da multiculturalidade que Luciana receia estar em risco se Le Pen for eleita Presidente.

ELEIÇÕES PRESIDÊNCIAIS EM FRANÇA -GRANDE REPORTAGEM ¨¨

A FRANÇA AO RUBRO!... ( PARTE III)                                      
Com:LusoJornal/RR
- OS OUTROS CANDIDATOS E AS PROPOSTAS QUE MEXEM NA VIDA DOS PORTUGUESES

Uma equipa com franceses e portugueses trabalha ao computador. Há poucos dias estavam todos concentrados com a organização dos primeiros Estados Gerais da Luso-descendência. Agora, é o dia seguinte: trabalham para pôr de pé “uma rede de actores” que ajude, por exemplo, a alargar o ensino do português.
“Temos 30 mil pessoas a aprender português, o que é nada quando há 700 mil a aprender o alemão e mais de dois milhões a aprender o espanhol. Os portugueses não conseguiram, não conseguem, não têm essa tradição de se estruturarem, de se organizarem, de funcionarem como um lóbi junto das autoridades públicas portuguesas e francesas”, diz. Isto apesar de existirem “mais de 900 associações portuguesas em França”.
A delegada geral da Cap Magellan liga esta falta de representação a uma “espécie de alergia e de aversão à política”. Muitos saíram de Portugal sem terem experimentado a democracia; outros não pedem a nacionalidade francesa, apesar de só ela permitir votar nas presidenciais.
Carlos Pereira, director do “LusoJornal”, relativiza a aparente falta de participação cívica da comunidade portuguesa. Lembra que quatro mil eleitos para municípios franceses são de origem portuguesa. Um número que esconde outro: foi o “LusoJornal” que fez as contas e descobriu que a Frente Nacional acolheu nas suas listas 25% dos candidatos luso-descendentes. “Isso não quer dizer que há mais militantes [portugueses] na Frente Nacional [do que noutros partidos]. Há tão poucos militantes na Frente Nacional que acaba por ser muito fácil chegar a candidato”, contrapõe.
Não ter a nacionalidade francesa não era um problema para Luciana até Marine Le Pen se tornar um problema para quem teme ideias “claramente racistas e xenófobas”. Gostava de poder votar contra ela porque a sua popularidade nas sondagens é “superpreocupante”.
“A grande receptividade das ideias da Marine Le Pen vem do medo do outro, o medo de perder o nosso conforto dificilmente alcançado (e não retiro nenhum mérito aos que vieram nos anos 60 e 70), que isso seja tudo posto em causa com esta dinâmica migratória que existe agora”, acredita Luciana.
Mostramos-lhe o estudo de Sciences Po que indica que, em Maio de 2016, 50% dos jovens com ascendência portuguesa apoiava a Frente Nacional. Pede para fotocopiá-lo. “Fico um bocado surpreendida”, reage. “Imagino que sim, que haja uma espécie de valorização do mérito e do esforço dos pais, considerando que isso está posto em perigo. Também há uma parte de egoísmo: os outros vêm tirar a mim, não quero.”
Carlos Pereira relativiza. Admite que a Frente Nacional aposte numa “instrumentalização” da comunidade portuguesa – “vocês são os bons imigrantes”. “Mas não quer dizer que haja mais votantes [com origens portuguesas] na Frente Nacional do que nos outros partidos. Não acredito nisso. E não quero acreditar”.
Hermano Sanches Ruivo, vereador dos Assuntos Europeus na Câmara de Paris, também não. Na janela do seu gabinete pôs uma bandeira europeia. “Sofri racismo quando era puto, quando tinha dez anos”, conta. Chegou a França aos cinco anos. A vontade de agir levou-o à política. Nestas eleições, apoia Benoît Hamon, o candidato apoiado pelo Partido Socialista.
“Quando sofri racismo, podia muito bem ter feito como alguns, poucos, que até afrancesaram os nomes. De Ferreira passaram para Ferrère, por exemplo”, conta. A família apostou na “dupla cultura” – portuguesa e francesa – para o educar. Já a “extremista” e “xenófoba” Marine Le Pen, que só admite a dupla nacionalidade para cidadãos europeus, ataca-a, considera Hermano. “É a negação do que faz a força da França.”
O vereador luso-francês não isenta de responsabilidades os partidos que têm governado a França. “Não se resolveu completamente a descolonização”, não se salientou que “a imigração é uma mais-valia para a França” e que os seus resultados económicos são “positivos”, não se conseguiu encontrar uma forma de integrar plenamente diferentes religiões numa república que faz da laicidade um princípio fundador. Conclusão: “Criaram um espaço para que a solução seja sempre contra o imigrante, contra o estrangeiro, contra a Europa.”

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A FRANÇA AO RUBRO!... ( PARTE IV)                                      
Com:LusoJornal/RR
- O TEMPO DAS BARRACAS

Estacionado o potente carro na zona do Plateau, uma zona alta de Champigny-sur-Marne, a 12,5 quilómetros do centro de Paris, Gilberto Francisco viaja no tempo.
“Há 56 anos, quando nasci, no dia 18 de Fevereiro, isto estava completamente abandonado. Tudo o que vocês vêem aqui, esta zona do Plateau, era uma zona cheia de árvores, abandonada. Hoje transformou-se numa grande zona industrial. Mesmo estas casas não existiam, já foram feitas depois dos anos 60. Por estar ao abandono é que os portugueses se instalaram aqui, se quisermos, fraudulosamente. Praticamente viemos sem autorização”, conta.
Eram os tempos das “bidonvilles”. Em meados dos anos 1960, as autoridades estimam que 100 mil pessoas vivessem nestes aglomerados de barracas. Muitos eram portugueses. “Eram barracas com portas que eles encontravam nas obras. Traziam placas e faziam as barraquitas onde se aqueciam mal. Não tinha condições para viver. Às vezes viviam quatro ou cinco portugueses na mesma barraca.”
 A vida era miserável. “Chamavam-me o picha fria porque andava sem calções, sem nada, os pés descalços e só tinha uma camisolita”, conta. A população não gostou de ver aquela multidão de portugueses “mal vestidos” que “não sabiam falar” francês. A acção de Louis Talamoni, presidente da Câmara de Champigny entre 1950 e 1975, foi decisiva – por isso, em 2016, um grupo de portugueses decidiu homenageá-lo com a construção de um monumento no Plateau. “Permitiu-nos ter água, ter luz, eu poder ir à escola, a gente ter papéis para trabalhar, ter uma simples caixa de correio. Ele sempre nos defendeu porque viu que era uma população de trabalhar, não uma população para invadir”, diz Gilberto. A estátua em honra de Talamoni é cercada por dois mil tijolos, assinados por portugueses que passaram por Champigny, familiares seus e políticos como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Gilberto e muitos outros portugueses “estão bem na França”. Mas repete-se o discurso que ouvimos em Puteaux e Nanterre: outros imigrantes preferem viver à custa dos apoios do Estado. O discurso da “radical” e “provocadora” Marine não o seduz – prefere François Fillon. “O voto em Marine Le Pen é um voto de sanção, uma maneira de o francês dizer ‘estou farto’”, o que explica os prováveis bons resultados numa primeira volta, acredita. “À segunda ela nunca ganhará porque as pessoas têm medo: não só pela imigração, mas porque ela quer sair da Europa, quer voltar ao franco. É uma política que só diz ‘estou farto dos imigrantes, do islamismo, dos radicais’. Mas que solução tem ela? Nenhuma.”


- FÁCIL DE ENTENDER…

Regressamos ao centro de Paris. Fernando Moura gostava de poder votar em alguém como a “senhora Margaret Thatcher”, alguém que consiga dizer “sim” e “não”, porque “a França anda muito à deriva”. Le Pen não é essa pessoa, afirma, numa pausa dos seus cozinhados do restaurante Saudade, o estabelecimento português “mais cotado” da capital francesa. Mariza, Fernando Mendes e Tony Carreira já lá passaram, revelam fotografias colocadas à entrada.
“Tudo o que é extremo não é bom”, diz Fernando Moura, que vai votar em Fillon. “Para nós, portugueses, acho que nada vai ter influência, seja ela [Marine] ou não, porque somos europeus, estamos todos legalizados”, acrescenta. Mas “sair da Europa e voltar ao franco” seria negativo, acredita.
França chamou Maria Trigo há mais de três décadas. Emigrou para França com o objectivo de ganhar dinheiro para se casar. “E, afinal de contas, vim para aqui e aqui fiquei. Arranjei outro moço e não me casei com o outro”, confessa, sentada no sofá do apartamento a que tem direito como porteira de um prédio da endinheirada Quai de Grenelle, a centenas de metros da Torre Eiffel. Do outro lado da rua, junto ao Sena, um monumento lembra as vítimas de “perseguições racistas e anti-semitas” cometidas pelo governo de Vichy durante a II Guerra Mundial. Escrito na pedra, o pedido: “n’oublions jamais”. Não esqueçamos nunca.
Foi a ver televisão e a falar com os franceses que aprendeu “qualquer coisa” de francês. Na sala acumulam-se “souvenirs de Portugal”, de crachás a fotografias. Mas conversar com Maria, mãe de dois filhos, é falar sobretudo de trabalho: “Eu estou sempre ocupada, se não estou é porque não posso”. Cozinha, arruma o lixo, trata da higiene de idosos. Noutros tempos passava a ferro as roupas do conservatório, onde o marido trabalhava, e aguentava as noitadas – hoje, aos 61 anos, acorda às 4h30, mas não consegue repetir tais proezas. Ganha dois mil euros por mês, que tenta poupar para a reforma que quer passar entre Portugal (“quero estar lá ao pé da praia”) e França.
Adoraria que Marine Le Pen fosse eleita – “para meter uma certa ordem”. E as limitações à imigração? E o fecho das fronteiras? “Pode ser que não seja para os portugueses”, responde, “que seja para esses países que não fazem parte da comunidade europeia”.
Eunice de Lemos está apenas há um ano e meio em França, a fazer um mestrado em História da Filosofia na Sorbonne, e sente que Marine está em todo o lado. As suas entrevistas televisivas batem em audiência as dos rivais, ela “está na boca do povo”, tem um “carisma extremo que consegue conquistar as massas”.
Eunice e o namorado, o luso-belga Bernardo Haumont, estão “preocupados” com a possibilidade de Marine se tornar Presidente, revelam-nos no café do Studio 28, um cinema do quarteirão parisiense de Montmartre fundado em 1928. “Acho que há uma estratégia de embelezamento do partido que visa alargar o espectro de eleitores da Front National e que está a resultar claramente”, receia Eunice. “Vi um documentário bastante recente sobre os novos eleitores do partido. Mostravam, por exemplo, um casal gay, dois homens que votavam Marine Le Pen; um senhor que emigrou do Egipto para França nos anos 70 e que hoje vota Front National; um ‘rapper’ de 30 anos, com origens no Norte de África, que vota Front National. Isto jamais seria possível se a Marine Le Pen não tivesse procedido a uma estratégia muito eficaz de tornar o partido noutra coisa. Já não é só um partido de extrema-direita claramente racista, xenófobo, etc., mas, no entanto, não deixou de ser isso.”
 Nonna Mayer, que estuda a Frente Nacional há mais de 30 anos, sente que pela primeira vez há pessoas que acreditam na hipótese de um Le Pen se tornar Presidente. “Existe a sensação de que o único candidato político que tem uma mensagem clara, fácil de entender, é Marine Le Pen. Eles têm um partido, um candidato, uma mensagem, um meio. E ela diz: ‘Fechem as fronteiras, parem com a imigração e a França vai voltar ao que foi antes’.”
“Não temos uma mensagem tão clara nem à direita nem à esquerda. A esquerda e a direita estão fragmentadas e a força de Marine Le Pen é a fraqueza dos seus opositores”, analisa. Para vencer Le Pen é preciso mais do que descodificar a sua mensagem. “Não basta voltar a dizer que o que ela diz é mentira. É preciso propor algo que entusiasme, traga esperança e fé aos eleitores.”

20 março, 2017

- UM ATESTADO DE ESTUPIDEZ AOS CIDADÃOS!...

A Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, anunciou o adiamento da conclusão da investigação criminal da Operação Marquês, que envolve José Sócrates e outros arguidos. É a sexta vez que tal acontece. O problema, é que na prática, Joana Marques Vidal deixa aberta a porta para que a investigação continue para lá de Junho e o fim da Operação Marquês passa a ser como o Natal - é quando um homem quiser.
Neste caso, o homem é o Procurador Rosário Teixeira, que pode sempre invocar a necessidade de mais investigações ou de enviar novas cartas rogatórias, e aguardar pela respectiva resposta ou de fazer novas investigações – como a que foi realizada esta semana aos escritórios do GES, onde passados que foram mais de quatro anos depois do inicio da operação, ainda nos quer convencer das imensas provas que haverá lá para recolher – isto só para gente que não bate bem da bola.
E é aqui que se torna irritante a maneira como o Ministério Público trata a inteligência dos cidadãos!... Quarenta e dois meses depois de iniciado o processo, constituir arguidos na última semana do prazo para concluir investigações, ou enviar novas cartas rogatórias ou fazer buscas, só pode servir para justificar o pedido de mais um adiamento da conclusão das investigações e não para alcançar nenhum outro objetivo.
Convém lembrar, que José Sócrates foi detido porque supostamente havia factos suficientemente graves para o Ministério Público determinar a sua prisão. Entretanto, o ex-Primeiro-Ministro foi libertado em 16 de Outubro de 2015, e desde aí já passaram 16 meses e as tais provas sólidas e robustas para acusar e condenar Sócrates mantém-se em segredo, continuando a investigação a colecionar documentos e arguidos e a juntar casos ao caso inicial – do motorista de Sócrates foi-se para o Grupo Lena, depois para Vale do Lobo, de Vale do Lobo para o BES, do BES para a PT e agora é tudo junto.
Uma coisa é certa: se “àmanhã” Sócrates for declarado não culpado, ninguém acreditará, e a voz do povo dirá o que repete sempre em casos como estes: os poderosos safam-se sempre. Se for condenado, ninguém se importará grandemente
Mas o que é interessante no meio disto tudo, é que a Procuradora Geral da República quis fazer um paralelo com o caso Madoff nos Estados Unidos, argumentado que o ex-milionário foi investigado durante seis anos. Saiu-se mal!... É verdade que Madoff foi investigado durante seis anos, MAS… sem que ninguém tomasse conhecimento do caso. Nem os próprios visados, nem a imprensa tabloide – como aconteceu com Sócrates e Carlos Santos Silva. Quando Madoff  foi preso, as provas eram tão avassaladoras que foi julgado e condenado em seis meses. Compare-se então, com o que se tem passado na Operação Marquês e constate-se quanto infeliz foi a comparação.
Dito isto, sublinho o seguinte: eu não sei se José Sócrates é culpado ou não dos supostos factos de que é acusado. Sei que ele tem seguramente muitas explicações a dar sobre a relação financeira que mantinha com o seu amigo Santos Silva. Mas sei também, que apesar de todas as informações que vieram de várias partes do mundo, não há uma única conta em nome de José Sócrates onde tivessem estado os tais 23 milhões que o Ministério Público diz que ele recebeu para ser corrompido. Mas sei ainda mais: é que ele está há muito condenado pela generalidade da opinião pública. E esse peso no julgamento será tão desmesurado que tudo o que não seja a condenação de Sócrates em Tribunal, será um enorme escândalo e uma desmesurada vergonha para o Ministério Público.
Por outras palavras, se Sócrates for declarado não culpado, ninguém acreditará e a voz do povo dirá o que repete sempre em casos como estes: os poderosos safam-se sempre. Se for condenado, mesmo que só com provas indiretas ou indiciárias - o que se começa a perfilar como uma enorme possibilidade - ninguém se importará grandemente. Em resumo, qualquer que seja o resultado, a Operação Marquês vai sempre acabar mal.

-CANDIDATO DO PSD À CÂMARA DE LISBOA!... O QUE DIRIA SÁ CARNEIRO?!...

A escolha de Teresa Leal Coelho para a Presidência da Câmara Municipal de Lisboa, é uma excelente notícia para o PS e para o CDS. Passos Coelho pode por isso começar a escrever dois discursos: um de derrota e outro de saída
Pedro Passos Coelho está de parabéns, escolheu a melhor das suas alternativas: ele não tinha outras. Foi à praça dos fiéis disponíveis e só lá estava Teresa Leal Coelho. A abnegação pelo seu amigo é bonita mas o sacrifício dela será o dele. É um nome tão fraco para a Câmara lisboeta que não concorre contra Medina, concorre contra Cristas, o que é o mesmo que dizer, que Passos já não corre por gosto, fá-lo à vista já de todos por desgosto. Ea coisa pode correr tão mal que as eleições de Setembro ou Outubro, poderão até matar dois Coelhos de uma cajadada só. Passos perderá primeiro o Partido, depois o Partido perde-o a ele. Vai dar dó – ou por outra, já dá.
Teresa é leal a Coelho, mas como vereadora da Câmara, por ela ou por interposta pessoa, não se lhe conhece uma ideia sobre a cidade, não se lhe reconhece um acto de oposição, não se lhe conta a presença em mais do que um quinto das reuniões. Na relação com o Partido, é uma formiga política, no formigueiro descontrolado em que se transformou o PSD. Vai receber um programa para a cidade escrito por um velho crítico, José Eduardo Martins, que deve acreditar tanto nela como numa pedra que flutue ali bem em frente ao edifício camarário – o Rio Tejo.
À quinta, sexta ou décima-sétima - nem se sabe bem - tentativa, o PSD entregou a bandeja a Assunção Cristas e a Fernando Medina. Assunção que até foi inteligente, criticando Passos a propósito da banca porque já está em pré-campanha; enquanto Medina nem precisou de ser inteligente, bastando-lhe a burrice alheia. Os dois, que nunca antes foram a eleições, têm estrada livre para ganhar: ele a Câmara, e ela a emancipação no Partido. Bastará ter mais do que os 7,5% que Portas teve no passado. Se acontece o delírio de ultrapassar Leal Coelho, será a vergonha acabada.
É por isso que na capital não se joga apenas a probabilidade de derrota de Teresa, mas também a possibilidade de derrota de Pedro. O PSD já recuou nos objectivos, já não quer ter mais câmaras do que o PS, apenas mais votos do que nas autárquicas anteriores. Agora, condói-se neste não ir a jogo nas grandes cidades, essenciais para as legislativas seguintes.
As autárquicas são em Stembro ou Outubro e o Congresso do PSD em Janeiro. Da janela da São Caetano, Passos já vê os amoladores de facas entrarem. Enquanto isto, António Costa ri-se às gargalhadas debaixo de uma almofada, para não estragar o desarranjinho.
E assim vai o moribundo PSD – quem diria Mestre Sá Carneiro…

16 março, 2017

- A BESTA VOLTA A ATACAR...

Sempre que se encontra em dificuldades, quer ao nível da política interna alemã, quer ao nível do confuso e decrépito cenário político europeu, o Ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, tira sempre da cartola a eminência parda de um novo resgate a Portugal. (Ver notícia aqui).
Na senda do seu fiel seguidor e amigo de peito - Passos Coelho, Schäuble também é um devoto do diabo a quem acena e invoca com particular denodo. Ora, o que aconteceu ontem, deve-o ter deixado colérico e enfurecido. Portugal foi aos mercados financiar-se a curto prazo e contrariamente ao que a besta teutónica pretendia com as suas declarações catastrofistas, as taxas de juro foram negativas e ainda mais negativas do que tinham sido no último leilão de dívida pública a prazos semelhantes.
Ou seja, a besta ladra e os mercados assobiam para o ar. É que para os mercados, vale mais hoje em dia um suspiro do senhor Draghi, do que uma saraivada de latidos do senhor Schäuble, que se arrisca a fazer as malas em Setembro, caso a dona Merkel perca as eleições para o SPD - cenário cada vez mais provável de acordo com as sondagens mais recentes.
Este tipo de intervenções do Ministro alemão, deviam merecer de imediato um protesto diplomático veemente por parte do Governo português. e por uma simples razão: é que elas revelam que a besta se acha uma espécie de capataz a zurzir numa cambada de escravos que tem que baixar a cabeça sob o estalido da verborreia dos seus sonhos de ditador.
As nossas elites e a classe política quase toda, continuam a defender que o país se deve manter alinhado com uma vocação europeísta e contribuir para a prossecução de um programa de integração económica que deve ser aprofundado. Uma coisa é certa: cada vez mais, duvido do sucesso e vantagens desse percurso, principalmente quando ouço declarações deste tipo e a forma como este e outros personagens tratam e consideram os países mais pequenos e economicamente mais débeis.Ou por outras palavras: teimam em tratar-nos como colónias e territórios subordinados, que devem obedecer sem discussão aos ditames dos donos do império.
Por isso, o debate sobre o que podemos esperar da Europa não é, longe disso, um debate descabido ou sequer radical, mas sim uma necessária e urgente reflexão. Por enquanto ainda temos alguma soberania e podemos fazê-lo completamente a margem de autonomia política que ainda temos e nos permite decidir o nosso destino como nação soberana. Ou batemos o pé contra estas "bestas" ou qualquer dia perdemos essa possibilidade.
Resistir durante mais de 800 anos como nação independente e virmos a passar de colonizadores nas sete partidas do Mundo a colonizados dentro da nossa própria terra, zurzidos por Schäuble ou outra qualquer besta alemã, não me parece ser um grande desígnio nacional.
A obrigação do nosso Presidente da República e do Primeiro Ministro, seria pois pronunciarem-se sobre estas declarações e exigir que o país fosse respeitado e não sujeito ao reiterado bullying político do sr. Schäuble, protestando formalmente junto do Governo alemão pelas abusivas interferências do seu Ministro  das Finanças  nas opções da nossa política interna.
Se nada fizerem e nada disserem, só lhes deixo para reflexão um conhecido ditado popular: "Quanto mais a gente se baixa, mais se vê o cú".