30 março, 2015

CUIDADO!... ELES ANDAM POR AÍ...

Portugal tem hoje uma sociedade mais doente e uma economia mais frágil do que quando começaram a ser aplicadas as medidas de liberalização e austeridade que "revolucionaram" o país nos últimos quatro anos!... 

Há hoje menos criação de riqueza, menos capacidade produtiva e menos emprego. Há hoje mais desigualdade, mais população em risco de pobreza e mais pessoas em situação de privação grave.

A juntar a tudo isto – convém não esquecer, que temos hoje mais dívida pública, mais dívida externa e que ao contrário do que se afirma, o país está mais pobre, fruto da venda dos activos públicos por todos conhecidos.As pessoas, claro está, sabem-no e sentem-no, o que cria um problema aos defensores da estratégia aplicada!... É que ela não só produz uma economia e uma sociedade que as pessoas não querem, como produz também resultados muito diferentes daquilo que a todos nos prometeram em 2011.

As privatizações - recorde-se, eram apresentadas como promotoras da eficiência, dada a suposta evidência que o privado faz sempre melhor, factos que outrora os escândalos do BPN e BPP, e agora os do BES e a PT vieram desmentir. A desvalorização do trabalho prosseguida de inúmeras formas, foi sempre promovida como geradora de emprego, mas que o desemprego crescente ao longo dos últimos quatro anos veio desmentir. E a própria austeridade “custe-o-que-custar” - vale a pena também recordar, era apresentada como amiga do crescimento, em virtude dos supostos efeitos sobre a confiança.

Só que em vez das certezas prometidas, aquilo a que assistimos foi à captura de rendas por interesses particulares, à destruição de emprego e de capacidade produtiva, e vamos a caminho de uma década perdida em matéria de crescimento e desenvolvimento.

Ora sendo assim, o que é que se deve fazer então, quando a nossa estratégia produz resultados tão obviamente distintos do prometido e tão contrários às aspirações das pessoas?!...
A resposta é óbvia!... Simplesmente negar que ela tenha sido devidamente aplicada.

Os resultados não são os prometidos, alega o coro neoliberal, porque o ímpeto reformista não tem sido suficiente e porque não se reformou verdadeiramente o Estado. Na sua versão mais cínica -alegam ainda, porque este Governo "é na verdade anti-liberal", como se o liberalismo realmente existente dispensasse a instrumentalização do Estado para a garantia de rendas, para a fragilização do trabalho e para a abertura ao lucro privado de sectores protegidos.

Só que em boa verdade, é esta e não outra, a finalidade que o neoliberalismo do Compromisso Portugal nos pretende impingir. São estes pois e não outros os seus resultados pretendidos, e o discurso que distanciando-se procura agora branquear esse facto, não é mais do que uma tentativa de eternizar este programa destópico.

O chefe de missão do FMI senhor Subir Lall, que assiduamente visita Portugal, já deu aliás o primeiro mote para o pós-tróika, ao considerar por estes dias quando de visita ao país, que “o chumbo do Tribunal Constitucional à redução salarial e da convergência de pensões não deve ser um impedimento para que a discussão seja retomada”, insistindo que é preciso avançar com a reforma do sistema de salários e pensões, uma vez que muito do ajustamento do lado da despesa ainda está por fazer. Se dúvidas houvesse nos designios desta gente, elas aí estão...

23 março, 2015

A “SANTA MILAGREIRA”!...

Não se trata de uma qualquer “estória” de uma qualquer nova Dona Branca, muito menos do tio Patinhas!... Trata-se efectivamente do discurso proferido por estes dias pela Ministra das Finanças Maria Luis, quando anunciou que ‘temos os cofres cheios’!...

Mas tamanho dislate não se ficou por aqui!... Ontem mesmo, Passos Coelho em reunião partidária nos Açores, revelou que em 2011 quando chegou ao Governo os “cofres estavam vazios”...

Após estas genéricas declarações, esperavasse que alguém explicasse tão sonante milagre – talvez até a descoberta de petróleo no “Beato” do falecido Raúl Solnado, mas tal ainda não aconteceu. De concreto, aquilo que se sabe, é que em 2011 existiam dificuldades de financiamento derivadas da instauração de uma “crise da dívida soberana”, congeminada pelos mercados à volta de um endividamento excessivo - 97% do PIB - e que determinaram – com cúmplices paroquiais – uma intervenção externa.

Hoje, com um maior endividamento - 130% do PIB - temos os cofres cheios à custa de sucessivas idas aos mercados, já que as actividades produtivas não justificam esse tipo de aforro.

Fácil é pois concluir duas coisas: a primeira, é que parte do dinheiro que a Ministra diz que “enche os cofres”, saiu dos bolsos dos contribuintes e foi transferido para os cofres públicos. A outra parte do “bolo” é proveniente de empréstimos. Falta porém dizer-se – e isso nem a Ministra, nem o Primeiro-Ministro o afirmam - onde é que ele está a faltar!... E a resposta é óbvia: perante cerca de 2 milhões de portugueses em risco pobreza, não é difícil adivinhar.

Quer isto dizer, que os cofres estão cheios isso sim, mas à custa do confisco feito aos portugueses e  de dívidas que decorrem de empréstimos aos "mercados", pelos quais esses mesmos portugueses pagam juros agiotas na ordem de 8,1 mil milhões como aconteceu no último ano de 2014. Mas sobre isto a “santa milagreira” das Finanças e o seu “chefe de fila” não dizem nada, procurando manter na ignorância os portugueses e provocando uma falsa euforia, sem explicar porque é que os "os cofres estão cheios".
Os "cofres cheios"  de que nos falam, não são resultado do crescimento, modernização e desenvolvimento da economia portuguesa!... São isso sim, resultado de dívidas que os contribuintes vão pagar com os olhos da cara, através do literal esbulho dos salários e pensões dos portugueses, e também dos pornográficos impostos que pagam. Um circulo vicioso de que Portugal nunca sairá, se não fôr colocado um travão nestas politicas e neste governo.

Aquilo de que o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças vêm falando, não passam de funestos sinais de embriaguez monetária. Com comportamentos destes, não haveria ninguém que não tivesse a sua carteira recheada!... Mas... de dinheiro que não era seu... Pena que perante os factos o “inquilino de Belém”, não ponha os seus meninos na ordem...

16 março, 2015

- POPULARIDADE DE CAVACO SILVA EM QUEDA ACENTUADA!... E NÃO HAVIA NECESSIDADE...

A prestação do professor Cavaco Silva enquanto Presidente da República continua em queda, confirmando-se como o mais impopular Presidente da República da democracia portuguesa. Já nem os da “casa” o poupam...

Os últimos dados da Eurosondagem para o jornal Expresso, dão conta de que o Presidente da República é quem mais desce este mês face ao último barómetro - menos cinco pontos percentuais, fixando-se nos 6,2% negativos, depois de Cavaco Silva se ter pronunciado sobre o tema da dívida de Passos Coelho à Segurança Social e de o ter desvalorizado, bem como de o ter justificado como guerras político-partidárias e com “cheiro a campanha eleitoral”.

Dito isto, aquilo que é constatável, é que nunca um Presidente estevE tanto na mó de baixo como o actual, e que Cavaco está a léguas de Sampaio que deixou Belém com um saldo positivo de 55%, e de Soares que andou sempre pelos 70% . Nada de estranho porém!... Tudo se percebe muito bem porquê, assim como também se percebe que o povo não perdôa, principalmente quando alguém anda a meter o nariz onde não deve e com discursos segundo as respectivas conveniências.

E este poderá muito bem ser o caso de um Cavaco Silva de “dupla face”. É que em boa verdade e fazendo fé nos seus discursos, estamos perante dois Cavacos!... Um, é político profissional há cerca de 35 anos; o outro fala da actividade política com desprezo!... Um participou em três eleições legislativas e três presidênciais; o outro sente à distância, o enjôo e o cheiro pútrido da campanha eleitoral, para justificar o seu pensamento!... Um diz que é preciso nascer três vezes para ser mais honesto do que ele; o outro, fáz o número da perfeição espiritual e áustera, mas diz que 10 mil euros mensais de reforma, não lhe chegam para as despesas!... Um queixa-se da má moeda na política; mas o outro teve ao seu lado Dias Loureiro, Duarte Lima e os homens que demoliram o BPN, sem nunca se lhe ouvir um zurzir de condenação sobre o tema!... Um pede menos crispação politica; mas o outro, foi aquele que dedicou o seu primeiro discurso depois da reeleição, a pedir na prática, a demissão de um Governo que não era da sua côr partidária!... Um pede que se ponham em primeiro plano os interesses do país; mas o outro, defende o líder do seu Partido, quando nem o próprio Partido se dá ao trabalho de o fazer!... Um diz que o novo Presidente da República deve ter uma larga experiência em política externa; o outro, é aquele mesmo, que quando era primeiro-ministro, achava que a política externa era assunto exclusivo do Governo.

Ora tudo isto, são muitas cambalhotas para um homem só!... E sendo assim, quer tudo isto dizer, que quem hoje comprasse Cavaco pelo valor que tem, e o vendesse por um valor que o próprio julga ter, ficaria rico. Isto a julgar pelo facto, de nunca ter havido tamanho desfasamento entre o que um político pensa de si mesmo e o que realmente é, e o que vale. E é este desfasamento que explica, que o Presidente da República queira definir o perfil do próximo inquilino de Belém...

É por tudo isto que se arrasta penosamente para o fim do seu mandato como o mais impopular Presidente da história da democracia portuguesa. Não conta para seja o que fôr na política nacional, o que será um problema, caso a sua intervenção venha a ser necessária para a formação de um próximo Governo, saído das eleições que aí vêm.Não havia necessidade...

09 março, 2015

- O GRAU ZERO DA POLITICA À PORTUGUESA!...

Isto não tem a ver com ideologias, com militâncias ou simpatias partidárias!... Isto tem a ver isso sim, com política, com ética política e com a necessidade e obrigação de devolver a dignidade a uma causa nobre, função vital para a solidificação da democracia e de um Estado de Direito. Tudo aliás, o que não se tem visto nos últimos tempos.
A imagem que alguns políticos e Partidos transmitem para os cidadãos é hoje péssima e degradante, para não dizer obscena. O afastamento dos eleitores em relação à política, é cada vez mais forte e evidente -basta recordar os recentes números abstencionistas e o crescente número de candidaturas independentes e de movimentos que vão surgindo por aí aos "magotes".  Tudo isto não é um chavão, como muitos querem fazer crer para esconder a realidade, é pelo contrário a constatação de factos, reacções e sentimentos generalizados.
Muitos, responsabilizam os abstencionistas e os indiferentes à “causa política” pelo estado das coisas, por não participarem, por não votarem ou até por se alhearem das realidades sociais!... Mas será que é legítimo formularem-se tais acusações, quando nada atrai ou motiva à participação cívica, e ao que é o comportamento e a imagem dos Partidos e dos políticos?!...
Não vale a pena taparmos o sol com a peneira!...  Quando se espera dos Partidos e dos políticos sensatez, sobriedade, responsabilidade, transparência, e acima de tudo, ética e dignidade, eis que não há dia em que tudo se destrói como um “castelo de cartas”.
No último caso em que esteve envolvido Pedro Passos Coelho, demos até “como de barato” toda a legitimidade como questionável, no que se refere à recente polémica em torno das suas dividas à Segurança Social, por todas e mais algumas razões. Tudo bem!... Mas quando se esperava de um Primeiro-Ministro, envolto numa polémica desta natureza, explicações céleres e cabais, com o assumir pleno de responsabilidades - ou apontar responsabilidade a quem de direito -, mas ao mesmo tempo algum bom-senso, recato e sensatez política, eis que temos Pedro Passos Coelho a debitar argumentos e justificações diariamente contraditórias. Pior ainda!... Vimo-nos perante um Primeiro-Ministro a disparar contra tudo e contra todos, sem olhar a quem, e a pôr-se nitidamente a jeito colocando com a sua postura, a imagem dos políticos no grau zero da decência e da ética.
Como eu, aqueles que ainda acreditam na Justiça, aqueles que não condenam na praça pública, aqueles que não fazem juízos de valores até que a Justiça se pronuncie/julgue (independentemente das simpatias ou antipatias), não podem, nem devem, ficar indiferentes aos factos e às afirmações produzidas, sob pena de sermos coniventes com uma realidade que condenamos e deploramos.
Não é possível que Passos Coelho tenha descido tão “baixo” na retórica política e tenha caído na rasteira e na tentação do ataque político, a quem nada tem a ver com o seu processo da Segurança Social. Mais!… Com a posição e afirmação assumida em jeito de combate político falhado, Passos Coelho transformou o processo judicial que envolve José Sócrates num processo político, esvaziando a componente e a vertente da Justiça.
Quando na passada terça-feira nas jornadas parlamentares do PSD no Porto, Pedro Passos Coelho respondia aos ataques da oposição sobre as suas dívidas à Segurança Social, poderia ter usado todas e quaisquer armas e retórica políticas, menos cair na tentação de trazer para o debate político, para a polémica pública, o nome de José Sócrates.

E não vale a pena querer fazer passar por burros e estúpidos os portugueses!... Já o deixámos de ser há muitos anos. Quando Passos Coelho afirmou nunca ter usado o cargo (de Primeiro-Ministro que é o que ocupa) para “enriquecer, para prestar favores ou para viver fora das suas possibilidades", obviamente que só se estava a referir ao ex:Primeiro-Ministro preso em Évora. E com isto, Pedro Passos Coelho retira a componente da Justiça do processo e envolve-o na vertente Política; e com isto, Pedro Passos Coelho dá mais uma enorme machadada na imagem já paupérrima dos Partidos e dos políticos; E com isto, Pedro Passos Coelho condiciona o debate político nas próximas legislativas, para além de limitar a esperança do PSD num eventual sucesso eleitoral.
Triste… muito triste e deplorável!... Infelizmente, estes são os politicos que temos. Politicos no "grau zero" da politica portuguesa...

02 março, 2015

O DEVER DA DÚVIDA OU O FADO PORTUGUÊS?!...

Ao contrário do que se parece pretender, Sócrates vai-se tornando numa espécie de mártir. A humilhação a que é sujeito, o desprezo pelo princípio da liberdade, a desinformação constante, vão afinal aumentando a aura de um homem que para muitos portugueses não passa de uma vítima de ódios insanos. Até o insuspeito Freitas do Amaral considera que o capital político de Sócrates não tem diminuído, mas aumentado. No dia em que sair da prisão leva tudo à frente...

Quanto mais tempo passar detido, mais problemático será libertá-lo. Talvez por isso já haja quem diga que é preciso um ano para investigar, outros acham que são dois, e haverá mesmo quem deseje um regime medieval de “meter no calabouço e deitar a chave fora”.


Em suma, a alegada complexidade do processo não está no supostamente intrincado esquema criminoso, até ao momento por demonstrar, mas no próprio "animal feroz".


Outro aspeto deste caso não menos revelador, é o da reduzida indignação pública. Exceptuando Mário Soares ou um ou outro comentador e umas quantas manifestações espontâneas, o silêncio predomina. A prisão de um ex-Primeiro-Ministro, durante meses sem acusação formal, desencadearia em qualquer outro país europeu um enorme clamor, sobretudo por parte da intelectualidade. Mas também há que reconhecer, que Portugal não tem intelectuais...


Pela parte que me toca, já escrevi muito sobre Sócrates e sobre os “seus cúmplices!... Hoje nãoo vou fazer, mas não consegui RESISTIR Á CRÓNICA DE MIGUEL SOUSA TAVARES NO JORNAL EXPRESSO DESTE FIM DE SEMANA. AQUI FICA:

O ESTADO DO ESTADO DE DIREITO
Miguel Sousa Tavares
«(…) Três meses depois, o meu ponto de partida é o mesmo de então: não sei, não faço ideia e não tenho maneira de saber se as gravíssimas acusações que pendem sobre José Sócrates são verdadeiras ou falsas. Mas não é isso que está em causa agora: eu não faço a defesa de José Sócrates, faço a análise sobre as circunstâncias da sua prisão preventiva e de tudo o que tem acontecido à volta dela. Não é a inocência ou a culpabilidade de José Sócrates — que só se apurará em julgamento — que agora interessa: é o funcionamento do Estado de direito. E isso não é coisa pouca.
Creio que uma imensa maioria dos portugueses julgará, nesta altura, que José Sócrates está muito bem preso. E por três ordens de razões diversas: uns, porque abominam politicamente Sócrates e acreditam que foi ele sozinho que criou 170 mil milhões de dívida pública (hoje, 210 mil milhões), assim conduzindo o país à ruína; outros, porque acreditam que o "Correio da Manhã", o "Sol" ou o "i" são uma fonte credível de informação e, portanto, já nem precisam de julgamento algum em tribunal, porque a sentença já está dada; e outros, porque, mesmo não emprenhando pelos ouvidos dos pasquins ao serviço da acusação, acreditam mesmo na culpabilidade de Sócrates e, por isso, a sua prisão preventiva parece-lhes aceitável.
Porém, nenhum destes três grupos tem razão: o primeiro, porque confunde um julgamento político com um julgamento penal, assim fazendo de Sócrates um preso político; o segundo, porque prescinde de um princípio básico de qualquer sistema de justiça, que é o do contraditório e do direito à defesa do acusado: basta-lhes a tese da acusação para se darem por elucidados e satisfeitos; e o terceiro, porque ignora a diferença fundamental entre a fase de inquérito processual e a fase de julgamento. O erro destes últimos (que são os únicos sérios na sua apreciação) é esquecer que a presunção ou convicção de culpabilidade do arguido por parte do juiz de instrução, as suspeitas, os indícios ou as provas que o processo possa conter, não servem de fundamento à prisão preventiva. Se assim fosse, a fase de inquérito seria um pré-julgamento, com uma pré-sentença e uma pena anterior à condenação em julgamento: a pena de prisão preventiva. Que é coisa que a lei não prevê nem consente e que, a meu ver, é aquilo que o juiz Carlos Alexandre aplicou a José Sócrates e a Carlos Santos Silva.
A lei consente apenas quatro casos em que o juiz de instrução pode decretar a prisão preventiva de um arguido: a destruição de provas, a perturbação do processo, o perigo de fuga ou o alarme social causado pela permanência em liberdade. Sendo esta a medida preventiva mais grave e de carácter absolutamente excepcional (visto que se está a enfiar na prisão quem ainda não foi julgado e pode muito bem estar inocente), a liberdade de decisão do juiz está taxativamente limitada a estas quatro situações e nada mais.
Não interessa rigorosamente nada que o juiz possa estar absolutamente convencido da culpabilidade do arguido: ou existe alguma daquelas quatro situações ou a prisão preventiva é ilegal. (E convém recordar que, ao contrário daquilo que as pessoas foram levadas a crer, o juiz de instrução não é parte acusatória, mas sim equidistante entre as partes: cabe-lhe zelar tanto pela funcionalidade da acusação como pelos direitos do arguido).
A esta luz, é difícil ou impossível enxergar em qual dos quatros fundamentos se abrigará Carlos Alexandre para manter Sócrates e Santos Silva em prisão preventiva. O perigo de destruição de provas é insustentável, depois de revistadas as casas dos arguidos, apreendidos os computadores, escutadas as chamadas telefónicas durante mais de um ano. O perigo de perturbação do processo ("fabricando contratos", como foi veiculado para a imprensa) tanto pode ser consumado em casa como na prisão, através do advogado ou por outros meios. O perigo de fuga, para quem se entregou voluntariamente à prisão, tem o passaporte apreendido e pode ser mantido sob vigilância visual e de pulseira electrónica em casa, só pode ser invocado de má fé. E o alarme social, só se for nas páginas do "Correio da Manhã". A avaliar por aquilo que nos tem sido gentilmente divulgado, o dr. Carlos Alexandre não tem uma razão válida para manter os arguidos em prisão preventiva. E mais arrepiante tudo fica quando se torna evidente que o motorista de Sócrates só foi preso para ver se falava, e foi solto, ou porque disse o que o MP queria (verdadeiro ou falso) ou porque perceberam que não tinha nada para dizer. Ou quando a SIC, citando fontes do processo, nos conta que uma das razões para que a prisão preventiva de Carlos Silva fosse prorrogada por mais três meses foi o facto de ele não ter prestado quaisquer declarações quando chamado a segundo interrogatório por Rosário Teixeira. Se isto é verdade, quer dizer que estes presos preventivos não o foram apenas para facilitar a investigação (o que já seria grave), mas para ver se a prisão os fazia falar. Nada que cause estranheza a quem costuma acompanhar os processos-crime, onde a auto-incriminação dos suspeitos — por escutas ou por confissão — é quase o único método investigatório que a incompetência do MP cultiva (e, depois da transcrição da escuta feita a Paulo Portas no processo dos submarinos, ficámos a saber que a incompetência pode não ser apenas inocente, mas malévola e orientada).
Dizem-nos agora os suspeitos habituais que a prorrogação da prisão preventiva daqueles dois arguidos, requerida pelo MP e fatalmente acompanhada pelo juiz, se ficará a dever à chegada de novos factos ou novas "provas" ao processo — o que, em si mesmo, contradiz o fundamento da prisão baseado em potencial destruição de provas. Pior ainda é se essas tais "novas provas" não são mais, como consta noutras fontes, do que os dados bancários da conta de Santos Silva na Suíça, cuja chegada ao processo o MP terá atrasado deliberadamente durante um ano, justamente para as poder usar no timing adequado para fundamentar a prorrogação da prisão preventiva. Porque ninguém duvida de que tanto o procurador como o juiz estão dispostos a levar a prisão até ao limite absurdo de um ano, sem acusação feita.
Que a tudo isto — mais a já inqualificável violação do segredo de justiça, transformado numa espécie de actividade comercial às claras — se assista em silêncio, com a procuradora-geral a assobiar ao vento e o Presidente da República, escudado na desculpa da separação de poderes, fingindo que nada disto tem a ver com o regular funcionamento das instituições, que lhe cabe garantir, enquanto se discute, nem sequer a pena ilegal de prisão preventiva, mas a pena acessória de humilhação de um homem que foi duas vezes eleito pelos portugueses para chefiar o Governo e que agora se bate pelo direito de usar as botas por ele escolhidas e ter um cachecol do Benfica na cela, é sinal do estado de cobardia cívica a que o país chegou. As coisas estão a ficar perigosas. Eu não votarei em quem não prometa pôr fim a esta paródia do Estado de direito.»