30 março, 2022

QUE VIVA A LIBERDADE...



O dia 24 de Março marcou o momento em que passámos a viver mais dias em liberdade do que sobre o jugo da ditadura salazarista. Foram 17.499 dias, correspondentes a 48 anos de Estado Novo!... Uma longa "noite" que hoje alguns sem qualquer pudor pretendem relativizar com a leveza de quem a não tendo vivido na pele a vêem como um lugar de virtudes, e onde a falta das mais básicas liberdades e garantias são um pormenor que não belisca o bafio das falsas moralidades apregoadas. 

Quem viveu e testemunhou a pobreza endémica, quem passou pelas prisões do regime, encarcerados por delito de opinião, pelos que pagaram com a liberdade e alguns, até com a vida a ousadia de pensar livremente e desejar um outro Portugal, são testemunhas muitas vezes silenciosas de um Portugal que hoje parece inconcebível para quem já nasceu depois do 25 de Abril de 1974.

Agora, que se deram início às comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, mais do que o trivial e das palavras de ocasião, o que deve ser sublimado é a memória, a memória vivida das pessoas que contribuíram cada uma com as suas capacidades e no seu contexto, para que neste dia pudéssemos celebrar finalmente, a ultrapassagem da liberdade à longa noite da ditadura.

Contar na primeira pessoa o que é a privação da liberdade e a coação sobre o livre pensamento, sobre a imprensa decorada a carimbos vermelhos da Censura, sobre quem atirava para baixo do tapete, muitas vezes arbitrariamente, o mínimo relance da realidade que se vivia no país e no mundo, é um dever de quem viveu esse tempo de opressão. É preciso dizer como se varria das páginas dos jornais os crimes, a pobreza, as vagas de emigração, a corrupção, as vozes dissonantes, os estudos comparativos  que colocavam Portugal - aí sim - sucessivamente na cauda do mundo Ocidental em termos de desenvolvimento económico e social. É preciso lembrar a vergonhosa taxa de analfabetismo, os cuidados de saúde dos cerca de 80 em cada 100 pessoas estavam excluídas, onde as maleitas eram tratadas com os meios possíveis, que isso de hospitais e centros de saúde abertos a todos e em todo o país era coisa de ficção. É preciso lembrar a taxa de mortalidade infantil, a esperança média de vida, o rendimento per capita, tudo indicadores que não podíamos saber -  nem os nossos nem o comparativo com os dos outros - porque envergonhavam quem fazia da pobreza “alegre” uma moral vigente. É preciso recordar o viver de um contentamento descontente que Luís Vaz de Camões usou noutros contextos e a míngua como atestado permanente, do total desprezo pelos “não abençoados” do regime de então. 

Hoje, temos mais dias de liberdade do que de ditadura e nestes 17.507 dias construiu-se um novo Portugal. Com falhas, com lapsos, com erros, com omissões, e até com imperfeições que todos . em liberdade - podemos conhecer, debater e assumir, porque não se vive sob as amarras da censura, do medo, e da tenebrosa PIDE - a policia politica do Estado Novo. Nestes 17.507 dias, ergueu-se um país que para a maioria da população se fez quase do zero. 

Mas melhor do que os gráficos comparativos, é perguntar por aí!... Alguém que tenha dúvidas, que apelem à memória dos cinquentenários e principalmente dos sexagenários e septuagenários. Perguntem a quem viveu nestes “dois países” sobre o que ficou para trás e o sobre o que foi construído. Falem com as pessoas,  muito particularmente com aquelas que ao tempo viviam neste hoje denominado mundo rural, sobre as fronteiras exíguas da liberdade, sobre o mundo do trabalho, sobre a saúde, sobre a alimentação ou sobre as condições das casas. Perguntem a quem vos dará em escassas frases todo um extraordinário eco de uma vida de contrastes. 

Que viva a liberdade…


16 março, 2022

EM 1991 CAÍA A UNIÃO SOVIÉTICA!... E AGORA?!...



Formada em 1922, depois da revolução soviética de 1917, teve o mérito inicial de depor os czaristas que usurpavam ao povo o que era do povo.

Depois disso, mais imperialismo, fome, terror e morte. Durante os anos em que esteve edificada e ao contrário do seu propósito inicial, a URSS mais não foi do que um Estado imperialista, comandado por um psicopata tirano que governou como governam todos os psicopatas tiranos: a seu belo prazer, e tirando para si e para os seus, os maiores dividendos, mantendo o povo de barriga colada às costas.

Foi assim com Estaline, foi assim com Hitler e Mussolini, foi assim com Franco e Salazar, é assim com Putin e os Castros, é assim com Maduro e Xi, é assim com Órban e foi assim com Netanyahu. Mas é também  assim com alguns dos Presidentes norte-americanos, que vão provando a decadência do “sonho americano”, como foi o recente caso do senhor Donald Trump.

Quanto à guerra que vai massacrando o povo ucraniano, digamos que este não é um conflito “normal”. Muito menos um conflito “tradicional”!... Este, não é um conflito onde a razão se perde em labirintos de factos. Este, não é um conflito onde a ideologia ou as construções doutrinárias rebuscadas podem determinar o nosso lado. Há ali, um agressor e um agredido. Há um ditador sanguinário e psicopata e um Povo inteiro que sofre, que resiste, que morre. Há um País - pelo menos o seu governo – que sem justificação alguma que sustente a invasão, entra num território estrangeiro, destrói e mata em crescendo e uma Nação que tenta sobreviver. Uma Nação que recusa a sua extinção – a extinção, diga-se, que outros decretaram.

E sendo assim, não pode haver neutralidade!... A nossa posição não pode depender da nossa perspectiva política. A nossa posição não pode depender dos nossos compromissos ideológicos. A nossa posição tem de depender essencialmente e desde logo do sentido de humanidade de cada um. A nossa posição tem de depender do facto de sermos humanos e por causa disso, capazes de empatia e de distinguir entre o bem e o mal. Um bem e um mal tão, mas tão básicos, que poucas vezes na História do Mundo foram tão fáceis de distinguir.

Ser neutral neste momento - já nem relevo os que estão dementemente do lado errado da história - implica sem qualquer margem para qualquer dúvida,  uma qualquer disfunção,  uma qualquer anomalia...

Não é uma questão de unanismo. É pelo contrártio uma questão de unanimidade. Unanimidade lógica, natural e identitária. E isto, porque a balança entre um lado e o outro está absolutamente desiquilibrada.

 Há um Povo que nada fez e que precisa de nós. Se falharmos, é condenar-nos a viver para sempre com a culpa disso mesmo: de termos falhado. Viva a Ucrânia livre…


Editorial da Revista Barrosana - Edição Especial de Março/Abril2022

08 março, 2022

A GUERRA NA UCRÂNIA – UM TEMA OBRIGATÓRIO…

A 12 de Março de 1938, Hitler anexou a Áustria!... O argumento dos nazis, foi o de que a maioria da população era alemã e havia que preservar a raça e a lingua. Anos antes, em 1918, a Alemanha assinara um Tratado em que assumia nunca vir a anexar este seu vizinho, mesmo sabendo que uma parte dos seus habitantes falava alemão. Por essa altura, ainda nos anos 30, a mesma Alemanha nazi, afirmava que as populações de etnia alemã na Checoslováquia e em especial na chamada região dos Sudetas, eram perseguidas e mal tratadas. Por isso, explicavam, que a Alemanha se via forçada a anexar essa região. Isto é: foi o primeiro passo para a posterior invasão da Checoslováquia, decidida por Hitler, Edouard Deladier, Mussolini e Arthur Chamberlain

Hoje, a história repete-se, com o nazi Putin - ex-espião do KGB, principal organização dos serviços secretos da União Soviética onde se “formou”, e onde desempenhou as suas funções entre 13 de Março de 1954 e 6 de Novembro de 1991 - a justificar a invasão da Ucrânia com idênticos propósitos aos de Hitler, isto é: a "desmilitarização e desnazificação e genocídio”, do seu vizinho. E se bem o pensou, melhor o levou a efeito!... Com os sinos a dobrar em Kiev, ninguém compareceu no “funeral”, quando o que efectivamente estava em causa, não era apenas a Ucrânia e o seu povo, como também as democracias ocidentais e o bem-estar dos europeus. Isto é: todos os que lhe haviam prometido apoio, arrepiaram caminho, temeram Putin e o espectro de uma guerra nuclear, e limitaram-se a tímidas sanções, que não aquecem nem arrefecem… 

Agora, sob a suspeita da futura adesão da Ucrânia à NATO, o nazi Putin continua a sua saga, auto-intitulando-se como libertador da Ucrânia e a pocurar repetir aí, a criação da república fantoche de Donbass, depois de ter usado o mesmo expediente na Crimeia em 2014. Não foi aliás por acaso, que o ditador nazi apelou aos militares para tomarem o poder que já conquistou e lhe estendam a passadeira vermelha, à semelhança do acontecido na Bielorússia. Entretanto, os sinos continuam a dobrar em Kiev e ouve-se o choro e a raiva da impotência não só dos cidadãos ucranianos, que procuram fugir ao drama, como também das democracias da Europa, cujas sanções à Rússia são também sansões contra si próprias. Putin é hoje o czar nacionalista com um pouco no seu íntimo, de todos os criminosos que o precederam no século XX - Hitler, Franco, Mussolini, Mao, Estaline e Enver Hoxha. É o ditador frio e calculista que tem na Rússia imperial e nos czares o seu modelo e que constituem um perigo para a Europa e para o Mundo, como em tempo útil previu Mário Soares. 

É verdade que a Ucrânia não é um modelo de democracia, onde o autoritarismo é tradição, onde o Batalhão Azov - milícia neonazi ultranacionalista e xenófoba, aterrorizava as regiões russófonas e as minorias russas, sem que o regime a desarmasse, mas… comparada com a Rússia era um paraíso... Dito isto, com os sinos a continuarem a dobrar em Kiev e a Ucrânia derrotada, não foi esta a única perdedora!… Foram derrotados também os democratas russos que se opõem a Putin, as democracias europeias onde os neofascistas se sentem encorajados, a defesa dos direitos humanos na Hungria e Polónia, a UE devastada e a pensar já em como em termos económicos vai tentar ultrapassar os danos da guerra onde “ninguém quis morrer”, mas que a debilita, e finalmente os EUA com a vitória da China, que hipocritamente se manteve ausente, o que pode ser entendido, num apoio implícito a Putin. Não foi aliás por acaso, que Bolsonaro, Marine Le Pen e Trump expressaram simpatia pelo nazi russo. 

Dos dois lados do conflito uma coisa é certa: vai vencer o pior - o agressor. Mesmo não tendo o direito de acirrar ódios, aprofundar clivagens e desintegrar nações em nome de ideologias passadas, de memórias mal enterradas ou dos negócios do gás e armamento. Todos sabemos das deportações em massa de Estaline e das alterações étnicas que estão na base de numerosos conflitos nos territórios da Ex-União Soviética, mas temos de procurar que as diferenças não se tornem divergências e conduzam à guerra. Neste momento e enquanto aguardamos os efeitos devastadores desta guerra e assistimos à anexação de um grande país, é justo homenagear o comportamento do Governo português, a quem cabe a exclusiva responsabilidade da política externa, pela conduta sóbria e sábia que manteve. Depois da peste e da seca, vêm agora aí os efeitos da guerra. Tudo nos acontece…

Crónica de Opinião para a edição de Março do Correio do Planalto