06 dezembro, 2017

O IRREVOGÁVEL E A GERINGONÇA

A 21 de Junho de 2011, Paulo Portas assumia oficialmente as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo liderado por Pedro Passos Coelho, fechadas que estavam as negociações entre os dois partidos, que resultaram na atribuição de três ministérios aos centristas: para além do já referido Ministério dos Negócios Estrangeiros, Assunção Cristas assumia a tutela da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do território, e Pedro Mota Soares ficava com a pasta da Solidariedade e Segurança Social.
Tudo corria de feição, com privatizações a rodos, aumentos gorduchinhos de impostos, listas VIP e vistos dourados para qualquer mafioso que quisesse “investir” no país. Havia tachos para todos os boys e ia-se alegremente além do exigido pela Troika, que aquilo era uma data de bons alunos, com excepção do Relvas e do Passos, o primeiro pelos motivos que todos sabemos, o segundo porque andava muito ocupado a colar cartazes na década de 80 e só lhe deu para estudar no final da década seguinte. Prioridades.
Até que, 742 dias depois da tomada de posse, Paulo Portas sacou uma demissão irrevogável da cartola, da qual todos nos lembramos, apanhando o seu comparsa de calças na mão, que na sua mais recente biografia o acusou de se ter demitido por SMS, versão imediatamente desmentida por Portas. Foi um bonito romance de primavera daqueles que partem corações, mas não os coibiu de ir a votos bem juntinhos, poucos meses depois, em absoluta harmonia.
Acontece que reza a lenda, a demissão de Portas fez disparar os juros da dívida, provocando a terceira pior abertura de sempre da Bolsa de Lisboa, que iniciou a sessão de 3 de Julho de 2013 a cair 7%, o resultado mais desastroso desde Outubro de 1998. Uma arrombo colossal, na casa dos 2,3 mil milhões de euros, que não impediu o eterno líder do CDS-PP de colher os devidos dividendos da situação por si provocada: depois de ter engrossado a gigantesca lista de desempregados que caracterizou aqueles anos, ainda que apenas por algumas horas, Paulo Portas foi promovido, teve direito a um novo palácio, e ainda enfiou Pires de Lima na pasta da Economia. De génio.
Amanhã, se o governo não implodir e se o Bloco e o PCP e PEV não anunciarem o fim da parceria estratégica frutuosa com os socialistas, assinalam-se 742 dias desde que o governo minoritário do PS iniciou funções, apoiado parlamentarmente pelos partidos à sua esquerda. Muitos foram aqueles que profetizaram sobre o desastre que aí viria, sobre sanções e resgates, intrigas e traições, e que se esforçaram, arduamente, por criar divisões e atritos no seio deste pacto singular, que permitiu devolver rendimentos e esperança a quem já não a tinha, enquanto se assistiu à redução do desemprego, dos juros da dívida e do défice, perante o desespero de uma horda de fanáticos, assessorada por observadores fascistas e por uma imprensa sectarista, que não poupou recursos para minar a opinião pública. Como se o pesadelo Centeno não fosse, por si só, terrível, ainda vão ter que aguentar com o facto de esta solução ser mais estável que a caranguejola que a antecedeu. Alguém terá ainda dúvidas?!...

PRESIDÊNCIA PORTUGUESA NO EUROGRUPO…

Mais do que estranho, é isso sim extraordinário, como em apenas dois anos, o Ministro das Finanças de Portugal Mário Centeno, tenha passado de alvo do fanatismo do Eurogrupo, do Ministro hostilizado pelo Senhor Schauble que gostava de exibir a subserviência da sua antecessora, a figura de prôa da Europa.
Mas mais extraordinário ainda, é só a forma como a direita em Portugal foi evoluindo durante este processo. Começou na rejeição absoluta da hipótese colocando-a no domínio do absurdo, passou mais tarde para o do fait-divers, depois ainda para a fase remota da hipótese, e por último quando já via entrar-lhe pelos olhos dentro uma realidade, logo se apressou a desvalorizá-la. Nada a que não estejamos já habituados.
Certo é, que com "dor de corno ou sem ela", desta direita onde cabem todos, o Ministro Centeno foi ontem eleito para presidir aos destinos do Eurogrupo, um grupo informal dos Ministros das Finanças dos Estados-Membros da União Europeia cuja moeda oficial é o euro, e se reúne mensalmente para ajustarem a coordenação das suas políticas económicas e orçamentais.
Assim, a partir de 13 de Janeiro do próximo ano, lá teremos Mário Centeno a substituir o holandês Jeroen Dijsselbloem, para desempenhar a função de Presidente nos próximos dois anos e meio.
E este é obviamente – ou deveria ser - um motivo de satisfação para todos os portugueses!... Mário Centeno não é um qualquer “doutor”, porventura semelhante àqueles que por aí proliferam, alguns dos quais “feitos em aviário”.
Mário Centeno, é um dos raros doutorados feitos em Harvard, por acaso e segundo dizem, a primeira ou segunda melhor universidade do mundo na área económica, facto que lhe confere uma qualidade académica bem diferente da ignorância exibida por outros economistas bem nossos conhecidos da nossa praça e se deram a conhecer no passado recente de triste memória.
A sua eleição, é por isso fruto do reconhecimento da credibilidade do Governo portugués, da forma como foi preparada a sua candidatura, da qualidade académica do candidato, mas também de um principio que ainda não vi ser salientado, e que tem a ver não só com a tentativa de o colarem às politicas europeias, mas também com o objectivo de servir de estanque ao expansionismo das “geringonças” por essa Europa fora. Como se costuma dizer cá pela Lusitânia, não há “almoços grátis” e particularmente o apoio alemão e francês, assim o dizem.
Ainda assim, a sua eleição trará obviamente mais benefícios que prejuízos para Portugal, e muitos políticos e comentadores, provavelmente por estarem de “mal com a vida” ou mesmo “dominados” pela tradicional inveja lusitana, têm posto em causa esta escolha, duvidando até da capacidade de se ser, simultâneamente Presidente do Eurogrupo e Ministro das Finanças em Portugal.
Provavelmente, gostariam até que as coisas tivessem corrido mal, para pelo menos uma vez só que fosse na vida terem razão com a sua sobriedade habitual, mas felizmente e mais uma vez o azar bateu-lhes à porta. A escolha de Centeno é por isso uma valente bofetada de luva branca em Cavaco Silva, Passos Coelho, Marques Mendes, Carlos Costa e até nessas figurinhas menores que são Teodora Cardoso e Maria Luis Albuquerque. E a razão é única: toda este gente procurou desvalorizar a capacidade de Centeno, ao contrário de Merkel e de Macron.
Independentemente dessas vozes “que felizmente não chegaram ao céu”, o facto é que com Mário Centeno a presidir ao Eurogrupo, a imagem e a credibilidade de Portugal no mundo melhoram consideravelmente e o país bem precisa disso, depois de vários anos em que se deixou humilhar.
Uma palavra final para Rui Rio e Eduardo Catroga: dizerem agora que o " mérito da eleição de Centeno deve ser repartido entre o anterior e o actual Governo", e que é "o reconhecimento da política de ajustamento orçamental’ iniciada com o Governo PSD-CDS e prosseguida pelo do PS”, é o mesmo que dizer que o mérito da revolução de 25 de Abril, deve ser repartido com Afonso Henriques ou Salazar. Se de Catroga não se esperava mais, a Rui Rio ficam-lhe muito mal estas palavras.
Wolfgang Schäuble esse sim é que tinha razão: Mário Centeno é mesmo o “Ronaldo do Ecofin”.